Paula Finn
11 de Outubro de 2025
O universo da dança tem um pilar imenso nas escolas. Cada uma com o seu estilo, em todos os bairros da cidade. Mesmo antes de existirem faculdades de dança, formações em nível superior com estudo de história, anatomia e pedagogia, já existiam as escolas livres, cada uma com o seu universo particular e formadoras de bailarinos, professores e coreógrafos.
Os locais de encontro são os festivais de dança, eventos imensos onde as escolas (e os grupos advindos delas) se apresentam. Por serem de caráter competitivo, são poucos minutos para apresentar uma coreografia com efeito e deixar o público embasbacado.
Quem já frequentou esses espaços se deparou com grupos imensos e vibrantes. Já há tempos as danças urbanas tomaram força nos festivais, demonstrando conhecimento musical e apresentando construções coreográficas excepcionais. Aliás, para além dos festivais competitivos, existem eventos próprios dessa área de estudo, com troca entre profissionais, coreógrafos locais e trazidos de fora.
Me vejo tentando começar um texto sobre S!NT3T1C05 (Sintéticos), primeiro espetáculo da Utophia Cia de Dança que estreou em 2023, levou o Açorianos de Melhor Espetáculo em 2024 e recentemente fez uma temporada com data única no Teatro Renascença.
Um grande número de bailarinos em cena, todos muito apropriados da movimentação executavam coreografias complexas, minuciosas e vibrantes, criadas pelos diretores e fundadores da Cia: Matheus Almeida e Jade Correa. Se movimentar na cadeira, vibrar ao assistir, precisar estar atento para conseguir acompanhar tudo que ocorre em cena. As costas descolam da poltrona. Sintéticos é isso, também.
Também é sobre pesquisa em dança.
Sobre a Sociedade do Cansaço.
Sobre sensibilidade.
Sobre dramaturgia.
Sobre um pensamento contemporâneo do corpo e da dança.
A pesquisa se apoiou no retrato da sociedade que Byung-Chul Han apresentou em “A Sociedade do Cansaço”, livro de 1967 e que foi popularizado no Brasil nos anos pandêmicos. Eu passei recentemente pela tarefa de transpor esses conceitos para o corpo na pesquisa do espetáculo de circo contemporâneo “Fôlego”, ao qual eu faço a direção de movimentos. Sei o quão desafiador é esta tarefa e fiquei abismada como o Utophia a fez com excelência. E mais que isso, as cenas apresentam movimentações urbanas e símbolos contemporâneos, criando assim uma relação de identificação com quem assiste. Outra referência são as criações pictóricas de Susano Correia que, mais uma vez, se vê muito presente no trabalho através dos rostos dos bailarinos, mãos e intenções de movimento.
Que deleite ver uma pesquisa que foi além do que se imaginou. Necessário destacar novamente a inteligência na composição coreográfica que, tendo como partida as danças urbanas e a dança contemporânea, orquestrou com domínio notável as dinâmicas de cena, os momentos de clímax e de respiro. Além da coerência estética dos figurinos, maquiagem, trilha sonora e iluminação. Coerência essa que se perdeu um pouco, em minha opinião, na aparição de uma mesa e cadeiras de madeira. Não só sobre sair do conceito - afinal madeira é matéria orgânica-, mas também na escolha de como inseri-las na cena. Particularmente, gostaria de vê-las surgirem de maneira imperceptível e que me tomasse de surpresa, assim como as movimentações tão certeiras e não-previsíveis apresentadas no espetáculo até então.
Outra percepção que gostaria de pontuar é sobre a sensação de fim que o silêncio traz a cada aparição. Voltando aos festivais e apresentações de Escolas, fomos ensinados a dançar coreografias afinadas com músicas. O silêncio expecta um fim, uma suspensão na respiração e a espera de palmas. Um dos pontos altos na pesquisa de Sintéticos é a relação entre corpo e som. Porém, ao mesmo tempo que se propõe a uma dramaturgia com cenas que se desenvolvem em continuidade, a trilha sonora foi construída com a utilização de músicas que se encerram. Gerou um estranhamento que por vezes tive a sensação de sentir inclusive pelos intérpretes na cena. É possível construir silêncios que não se relacionem com fins, assim como outra relação da construção de trilha que não seja pautada prioritariamente em músicas “completas”.
Por fim, fico pensando sobre as gerações da dança. Os bastões sendo passados, a ocupação dos espaços de prestígio, as referências se atualizando. Há pouco tempo, os diretores do Utophia e tantos outros dessa geração (me incluo nesse recorte) eram jovens que estudavam nos grupos e escolas existentes, e hoje são os que os novos jovens referenciam e desejam aprender junto. O ciclo do tempo atua em todas as facetas da vida. Sintéticos não é mais um trabalho feito por jovens estudantes e sim feito por uma companhia que veio ocupar um lugar importante na renovação do imaginário da dança que é construída em Porto Alegre. Não à toa levou o Prêmio de Espetáculo do Ano. Que voltem logo à cena, pois queremos mais!
Paula Finn
Bailarina, artista, pesquisadora do corpo e diretora.
S!NT3T1C05 FICHA TÉCNICA
Direção Geral e Artística: Jade Correa e Matheus de Almeida
Coreografia: Jade Correa e Matheus de Almeida
Produção: Kelvin Enar
Intérpretes-criadores: Arthur Simionato, Camila Valadão, Di Barboza, Isadora Schmditt, Isabelle Nedel, Jade Correa, José Vitor Alves, Laura Pinho, Luis Enrique da Rosa, Mariana Morais, Marina Krebs, Matheus de Almeida
Operação de Luz: Carolina Zimmer
Operação de Som: Vigo Cigolini
Trilha sonora: Jade Correa
Design Gráfico e Identidade Visual: Isabelle Nedel
Fotografia: Larissa Piccini
Filmagem: Nicolas Kim
Clarissa Brittes
07 de Outubro de 2025
Entre o jogo, a brincadeira e a cena
Entre caretas e cambalhotas ou rolamentos em contato
Ente desvios de bolinhas e quebra-cabeças de partes do corpo
Entre vôos no tecido e andares de barco com ele
Entre presença física, perto, bem perto e presença projetada
duo brinca
que
Um
esse esse
duo
brinca que
E que parte desse jogo para construir narrativas diversas
Resolve com criatividade a presença de elementos do circo como ponto chave para composição de moveres cômicos, inusitados e inteligentes. Colocando-se nesse lugar da curiosidade encontra um jogo que funciona bem com o público infantil e segue sendo interessante para qualquer idade.
Já havia assistido a produção audiovisual e estava familiarizada com as proposições das brincadeiras transpostas para o corpo. Tudo passa pelo corpo de qualquer forma. Ainda que não fosse um movimento ou coreografia ou uma sequência acrobática ainda assim passaria pelo corpo porque mente também é corpo.
Em uma palestra que assisti com Edith Derdyk - pintora e desenhista brasileira, ela nos trouxe o quanto a arte poderia ser o centro do currículo, pois nos traz novos horizontes para resolução de situações. Então, ser matemático, cientista, engenheiro, arquiteto,médico, enfermeiro ou químico passa por lugares que construímos na infância. Passa por encontrar soluções criativas, trabalhar com o outro, ter insights e inspirações: passa pelo corpo.
Em Entre vivenciamos as inspirações do brincar. Junto com os performers, lidamos com as emoções, sentimos curiosidade, descobrimos junto as múltiplas potencialidades que um objeto pode assumir ... que o corpo que brinca pode assumir. E é por esse viés que as já conhecidas manobras circenses trazem um frescor. Ali um bambolê pode ser uma janela; o tecido acrobático, um trem ou um barco; as bolinhas de malabares, um jogo de queimada, e os acrobatas "engraçadinhos", assim definiu minha filha Bel (3 anos) nos seus jogos.
Clarissa Brittes
07 de Outubro de 2025
Um trio
De corpos que trazem sua identidade
No entardecer
Sem luz de palco
Sem cenário
Com dois baldes e alguma água
E com figurinos que poderiam ser cotidianos
Um experimento performativo
Que faz aqueles que esperam um espetáculo levantarem e saírem
"Hermético?"
"Precisava avisar o público"
"Poxa, 100,00 pra isso?"
Eu honestamente, quando vou assistir dança aqui, esperava muito ver algo assim. Talvez eu me identifique com o processo de quando Matej Qejzar (ex Cia Rosas) passou por nós no GED - Grupo Experimental de Dança em 2013. Só sei que submergi. Quando me via estava caindo pro lado na cadeira mergulhando junto, me abraçando sem perceber ou sacudindo suavemente ...quando transborda no final (desculpa pelo spoiler) eu também transbordo. Sem interpretação de significados somente pela emoção da sensação cinestésica de me colocar nessa fenda de tempo espaço para observar (com o corpo por todos os póros- adoro)
Que zona é essa que enche tanto que derrama? Que outro é esse onde a gente se derrama e que se derrama na gente? Que quanta água tem nesse corpo que
trans
borda
de suas
bordas
Que de tanta água
que molha
que
respinga
E
E E
O
D
X
P
L
e JORRA
sacode
e beija
carrega e se carrega
Que tanto de insistência num movimento
Te prende por um longo tempo
Até virar outra coisa
Que tanta água
E formas de água
Tem nesses corpos
E balançam
Sacodem
Fluem
Espiralam
Se divertem
Se derramam
Se derramam quando
Passa do limite
De desejo
De alegria
De indignação
De não caber dentro de si o tanto que
Ficha Técnica
Concepção, Coreografia e Performance: Catol Teixeira
Performers e Co-criação: Auguste de Boursetty, Luara Raio
Criação Sonora: Luisa Lemgruber
Produção e Administração: Rabea Grand
Produção e Distribuição: Assia Ugobor
Produção: Association UÀ
Coprodução: Este projeto faz parte do RESO – fundo suíço de coprodução, em colaboração com o festival far°, Gessnerallee Zurique, Pavillon ADC – Genebra, Théâtre Vidy-Lausanne. Points Communs – Nouvelle Scène nationale de Cergy-Pontoise / Val d'Oise, EFFEA – em colaboração com o Festival de Santarcangelo e o Südpol Luzern, como parte do programa Extra Time Plus.
Apoio: Pro Helvetia - Fundação Suíça para a Cultura
Produção no Brasil: Rachel Brumana, Dani Correia e Veni Barbosa/Associação SÙ de Cultura e Educação
Créditos das Fotos: Pietro Bertora, Binta Kopp