Graziela Silveira é jornalista, bailarina, bailaora, artivista, feminista, gateira e aspirante à comunista (e tempo pra ler tudo que precisa?). Formou-se em ballet clássico pela Fundação Cultural de Canoas em 1999. De 2003 a 2017, integrou a Cia de Dança Flamenca Tablado Andaluz e foi professora na escola de mesmo nome. Segue atuando como bailora convidada no tablao do Tablado Andaluz em Porto Alegre. Foi professora de flamenco no Estúdio de Danças Juliana Lorenzoni em Novo Hamburgo de 2015 a 2020. É coreografa, diretora, professora e bailaora do Grupo Grazi Silveira Dança Flamenca, fundado em 2010 em Canoas e com atuação contínua na cidade desde então. Em 2017, foi homenageada pela Câmara Municipal de Canoas por sua contribuição para a história da dança do município. Tecnóloga em Dança pela Ulbra, é (com alegria e gratidão) bailarina da Geda Cia de Dança Contemporânea desde 2006, sendo indicada aos Prêmios Açorianos (POA) de Melhor Bailarina de 2011 pelo espetáculo Cem metros de valsa e um grama, de Destaque em Flamenco em 2014, de Intérprete Destaque de 2023 pelo espetáculo Memórias Encorpadas e de projeto de difusão em dança em 2024 com o espetáculo Flamenco de Bolso, estreado em Canoas em 2015. É criadora/intérprete de diversas performances individuais de dança flamenca e contemporânea para espaços não convencionais há mais de 12 anos. Em 2022, recebeu o troféu popular do Prêmio Olhares da Cena pela videoperformance A Casa Vazia. Desde janeiro de 2018, integra o corpo docente da Escola de Flamenco Del Puerto além de atuar como bailaora na Companhia de Flamenco Del Puerto (um sonho tornado realidade), ambas de Porto Alegre. Graduada em comunicação social – jornalismo pela Unisinos em 2002, atua como redatora no Canal do Youtube Professora Daniela Araújo desde 2020. É assessora de imprensa nos horários vagos e agora retoma os estudos e práticas na crítica de dança. É membra fundadora da Associação Cultural Articula Dança RS e presidenta da Associação Canoas Coletivo de Dança. É membro do Fórum Nacional de Dança. Redes sociais: Blog: http://grazielasilveira.blogspot.com/ Twitter: @grazidanca, Instagram: @grazissdanca e @grazisilveiradanca, Facebook: @grazisilveiradancaflamenca e @grazielasilveira
No dia 7 de julho, conheci Jurema Finamour, uma jornalista e escritora brasileira que foi praticamente apagada da história contada pelos homens. Conheci Jurema por meio do espetáculo A mulher que virou bode: a história perdida de Jurema Finamour, do grupo Rakurs Teatro. O trabalho, misto de teatro, dança, documentário e música, é inspirado no livro Jurema Finamour, a jornalista silenciada, da também jornalista Christa Berger.
Trazer à luz a trajetória de Jurema Finamour é certamente a maior realização da obra do grupo Rakurs. Como é importante esse resgate histórico de mulheres e seus feitos. É como se vencêssemos o patriarcado e aqueles que tentaram destruir nossas obras, vidas, ousadias, invenções, pensamentos, existências. Jurema teve uma trajetória absolutamente caótica e não aceitou ser enquadrada seja num relacionamento, num partido político, num modo de viver. A jornalista paulista foi presa pela ditadura, conheceu e conviveu com Pablo Neruda, Leonel Brizola, Getúlio Vargas e outros grandes nomes da nossa história, foi editora de uma revista para o público feminino e autora de livros, mas, se não fosse o espetáculo de nome sugestivo, que aliás é o título do último livro de Finamour, jamais teria ouvido falar sobre ela e seus feitos. Além disso, foi emocionante entrar novamente no Teatro Renascença após as enchentes de 2024. Ver a sala restaurada e em funcionamento, devolvida aos artistas e público, é outro alento numa Porto Alegre cada vez mais hostil à ocupação dos espaços públicos pela população. Lamentei, contudo, o fato da platéia agora ter um corredor central. Infelizmente, os melhores assentos da sala, tornaram-se degraus.
Voltando ao trabalho artístico, a parte técnica foi muito bem executada. Luz, som, cenário, figurino, tudo funcionando com perfeição e contribuindo para as bonitas cenas apresentadas. Como artista, fico sempre bem impressionada quando a técnica acontece com perfeição, já que, em geral, temos menos tempo de ensaio do que gostaríamos antes de colocar as propostas em cena e menos recursos, sejam financeiros ou estruturais, do que julgamos ideal para desenvolver os trabalhos na magnitude que prospectamos. Em A Mulher que virou bode, contudo, a técnica talvez seja perfeita demais e torne o espetáculo meio asséptico, um tanto distante. Uma história de vida tão vibrante quanto a de Jurema, não chega a nos cativar quando colocada em cena a não ser em alguns momentos mais poéticos em que as muitas informações não são ditas de maneira tão declarada ou explicativa.
Indo pras minhas implicâncias úteis para os outros ou não, tenho ressalvas com o uso de microfones pelas atrizes numa sala pequena como o Renascença. Entendo a questão do canto se sobressair sobre a trilha gravada, mas nesta sala em especial não sei se eram necessários. Para o bem ou para o mal, os microfones acabam virando uma interface que intermedia o contato. Ouvimos a atriz através de algo e não mais pelo contato direto da voz com nosso aparelho auditivo. Outra nota pessoal, é que, embora gostasse muito de musicais quando mais jovem, estou num momento da vida em que o gênero parece também me incomodar um pouco. Não sei se é de fato uma constatação de uma nova maneia de ver as coisas ou se a escolha desta forma de narrativa pelo grupo realmente me incomoda para esta obra. Será que os trechos musicais ou de documentário não poderiam estar presentes no palco de outras maneiras? É bem possível que eu tivesse feito outras escolhas à frente desta proposta, mas não estou, então, na dúvida, deixo este meu incômodo para que outras pessoas possam refletir sobre se assim desejarem.
Voltando ao que interessa, as máscaras, a cabeça de bode com pele, as cenas poéticas ou non sense, o senso de humor, as mudanças de cenário, tudo contribuiu para o bom andamento do trabalho, que poderia ter resultado em algo muito confuso por agregar tantos elementos (dança, canções, textos em primeira pessoa, depoimentos em vídeo, máscaras, elementos cênicos, informações precisas, etc), mas cuja dramaturgia e direção conseguem fazer com que as peças se encaixem num todo harmônico e que não fica cansativo, embora seja uma obra com caráter bastante didático e informativo. Conforme a própria Christa no bate-papo após a apresentação da obra, algumas informações e datas eram muito importantes na sua visão e foi um pedido dela o fato de eles fazerem parte do texto da peça de alguma maneira. Aqui, volto às minhas dúvidas, será que todas estas camadas de informação eram necessárias? Acho que tem coisas que só quando vemos o trabalho em cena nos damos conta. Enfim, escolhas e processos. Quem trabalha com arte sabe que eles são vários e quase nunca estão totalmente encerrados quando estreamos uma nova proposta.
Importante ressaltar também que o elenco é todo feminino. Aliás, Luiza Waichel, além do êxito na dramaturgia de A mulher que virou bode: a história perdida de Jurema Finamour ao lado de Marcelo Bulgarelli, demonstra ser uma atriz sensível, que trabalha bem o texto e suas entonações. Vozes bonitas, atrizes bem ensaiadas e potentes, dão vida de forma exitosa à Jurema e sua história apagada. É bonito ver mulheres resgatando outras mulheres do esquecimento. A sensação é de que as frases das redes sociais como "Nenhuma e menos", "Ninguém solta a mão de ninguém", "Somos resistência", "Tentaram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes", "Somos as netas das bruxas que vocês não conseguiram queimar" e tantas outras viram realidade. Que mais mulheres emprestem seus corpos para a redescoberta de tantas outras mulheres invisibilizadas por uma estrutura que insiste em tentar nos diminuir, oprimir e apagar. Resgatar estas mulheres é fazer justiça histórica e celebrar suas conquistas e existências.
Ficha Ténica A mulher que virou bode: a história perdida de Jurema Finamour
Direção e concepção: Marcelo Bulgarelli
Elenco: Deliane Souza, Eulália Figueiredo, Iandra Cattani, Luiza Waichel e Sophia Lovison
Canções e trilha sonora original: Antônio Villeroy
Dramaturgia: Luiza Waichel e Marcelo Bulgarelli
Textos: Christa Berger, Luiza Waichel e Jurema Finamour
Assistente de direção: Cláudia Sachs
Preparação musical e música "Trem Instrumental": Simone Rasslan
Arranjos vocais: Simone Rasslan e elenco
Assistência coreográfica: Carlota Albuquerque
Cenografia: Maíra Coelho
Assistente de Cenografia: Denise Ayres
Criação e produção de objetos: Denise Ayres e Maíra Coelho
Figurinos: Maíra Coelho e Rafael Silva
Máscaras: Fábio Cuelli
Formação de Máscaras: Cláudia Sachs e Fábio Cuelli
Iluminação: Nara Lúcia Maia
Operação de som e vídeo: Cássio Azeredo
Audiovisual: Voltaire Barbieri
Assessoria biográfica de Jurema Finamour: Christa Berger
Depoimentos: Christa Berger e Maria Helena Correa Pires
Maquiagem: Juliana Senna
Arte gráfica: Agência Gaboo
Fotos: Gilberto Perin
Tradutora e intérprete de libras: Simone Dornelles
Expografia: Karine Bulgarelli
Assessoria de imprensa: Flávia Cunha
Produção executiva: Lucimaura Rodrigues
Direção de produção: Marcelo Bulgarelli
Com este texto sobre Engrenagem, da Cia de Dança Karin Ruschel, termino, com atraso, as reflexões sobre os espetáculos assistidos na edição 2025 do Festival Porto Verão Alegre, evento já tradicional dos verões na capital gaúcha.
Engrenagem traz à cena uma temática que permanece atual no sistema econômico capitalista no qual nossa sociedade se desenvolve: as relações de trabalho e, principalmente de exploração deste trabalho. A luta de classes, entre os operários que mantém a rotina das máquinas e os detentores dos meios de produção que acumulam bens e capital por meio da exploração da mão de obra. Não sei se as discussões sobre o fim da escola 6X1 já estavam em pauta quando o espetáculo estreou, mas a popularidade desta pauta entre a juventude e os trabalhadores do país no momento atual, tornam Engrenagem uma obra atualíssima em sua temática.
Por falar em jovens, é muito interessante ver como o sapateado de Porto Alegre se renova constantemente. Há sempre novas sapateadoras se formando e profissionalizando nas escolas e companhias da cidade. E vou falar assim, no feminino, pois a maioria dos novos talentos são jovens mulheres. Aliás, o elenco de Engrenagem é 100% feminino: das exploradas à exploradora, passando por aquelas que se deixam seduzir e acabam auxiliando na expropriação do tempo de vida de outras trabalhadoras como elas. É interessante ver esta renovação, pois, trazendo pro meu "assado": o flamenco, é algo que não temos conseguido reproduzir. O surgimento de artistas flamencas semiprofissionais ou profissionais entre 16 e 20 anos na capital gaúcha é ínfima. Com tantos anos e núcleos de dança flamenca atuando na cidade, é uma realidade que precisa ser estudada, compreendida e modificada.
De volta ao Engrenagem, embora o auditório do Instituto Goethe seja um local acolhedor, com uma plateia confortável e boa acústica, o formato da sala não contribuiu muito para a projeção que faz parte do espetáculo, isso porque, no fundo da cena, há um canto, resultado do encontro de duas paredes, e uma caixa de som que fica exatamente neste ponto, dificultando a visibilidade da projeção. Outro ponto que percebi foi que o piso do palco parecia escorregadio. Reconheci logo as marcas brancas no palco resultado do encontro das partes metálicas do solado dos sapatos com algum produto utilizado para higienização e embelezamento do assoalho. Infelizmente, essa não é uma realidade apenas do auditório do Goethe. Não há sala de espetáculos em Porto Alegre que disponha de um tablado de madeira apropriado para os sapateados (flamenco, tap, malambo, gaúchos,..). Por último, destaco a inteligente adaptação feita pelo grupo, que não pode usar máquina de fumaça devido ao sistema de prevenção de incêndios da sala, e modificou a última cena utilizando outro elemento no lugar da fumaça.
Além das criativas sequências coreográficas e musicais de sapateado, nas quais percebe-se o trabalho de Gabriella Castro, que mistura elementos das danças urbanas com o sapateado, destaco ainda o bonito solo de Fernanda Santos ao final do espetáculo. Uma coreografia instigante e bem executada pela bailarina. Vida longa às sapateadoras de Porto Alegre e que tenhamos tablados que facilitem e amplifiquem nossas potencialidades sem causar preocupações quanto à integridade dos palcos das salas de espetáculo da cidade.
Ficha Técnica de Engrenagem:
Concepção e coreografia: Gabriella Castro
Direção: Gabriella Castro
Elenco: Angélica Marques, Clara Verardi, Gabriella Castro, Fernanda Santos, Giovana Caierão, Isabela Borghetti, Karoline Masiero e Sofia Lilith
Sonorização: Driko Oliveira
Iluminação: Heloísa Bertoli
Produção: Karin Ruschel
As enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul trouxeram muitos impactos, alguns deles com certeza ainda não revelados, estudados ou mesmo percebidos. Novas sequelas seguem aparecendo a cada novo texto, espetáculo, conversa e memória compartilhada sobre aqueles dias. Todos seguimos impactados mesmo que não saibamos disso.
Uma das melhores contribuições de Muita Água ao debate público é exatamente trazer estes efeitos à tona. Precisamos falar e refletir sobre o que aconteceu e segue acontecendo por nossas ruas, praças, casas, escolas, cidades, lares e vidas. A performance começa exatamente dando lugar ao público. Os três intérpretes/criadores estão sentados espalhados pela plateia e iniciam o trabalho perguntando para as pessoas quais são suas memórias sobre as enchentes. Pequenas rodas de conversa se formam na plateia e as pessoas dividem suas experiências. Após ouvir dois ou três relatos, os intérpretes Juliana Vicari, Fabiano Nunes e Cibele Sastre se levantam e vão para a frente do palco onde falam sobre os dias de abrigo na ESEFID. A partir daí, eles colocam galochas de plástico, capas de chuva e sobem para o palco.
No fundo da cena, vemos um monte de lixo formado por entulhos, pedaços de móveis, casas e outros objetos que um dia tiveram significado e constituíam as vidas de pessoas. Uma voz em off começa a contar como foram aqueles dias. Um texto muito bem elaborado, irônico e informativo, que nos confronta com aquelas memórias e também provoca reflexões, ao apontar as causas e os possíveis responsáveis pela tragédia prevista ter tomado as proporções que teve. A grande quantidade de água, o barulho da chuva e dos helicópteros, a enxurrada de desinformaçóes e mentiras, o cavalo Caramelo, a ausência de planos para enfrentar o desastre pelas diferentes esferas do poder público, a enorme corrente de solidariedade, nada ficou de fora do texto que vai provocando as construções cênicas dos três intérpretes.
Um espetáculo de estética simples, sem um figurino elaborado nem grandes momentos coreográficos, mas muito impactante nas imagens que os intérpretes compõem a partir do texto inteligente, ácido, político e engraçado, cada coisa na medida certa. O mais importante de tudo, a meu ver, um espetáculo que reflete sobre algo que ainda nos impacta e que muitos de nós ainda não conseguimos refletir sobre.
Ficha técnica de "Muita Água":
Criação e performance: Cibele Sastre, Fabiano Nunes e Juliana Vicari
Criação e operação de luz: Carol Zimmer
Técnico de luz: Carlos Azevedo
Produção e operação de áudio: Pedro de Camillis
Pós-produção de som: Phillip Schmiedt
Assessoria de imprensa: Aline Fiabane e Porto Verão Alegre
Texto e locução: Fabiano Nunes
Ilustração e design gráfico: Gabriel Rischbieter
Animações: Lua Marinho
Criação ambientação sonora: Cibele Sastre, Fabiano Nunes e Juliana Vicari
No dia 16 de janeiro, tive uma grata surpresa ao assistir no teu corpo verso ser da Companhia Curvas em Dança na Sala Álvaro Moreira. A primeira surpresa foi encontrar tudo pronto para o espetáculo depois de um temporal de verão que deixou o saguão do Centro Municipal de Cultura cheio de poças d'água devido às goteiras e avarias no telhado do local. A situação não é novidade, mas parece que a Prefeitura não tem feito empenho suficiente para garantir a manutenção adequada do local. Por sorte, estava tudo seco na Álvaro.
no teu corpo verso ser mescla texto, dança e música. Aliás, o fato de ver um espetáculo com a trilha sonora sendo executada ao vivo foi outra grata surpresa. No flamenco, estamos acostumados com esta possibilidade, mas não é comum ver outras linguagens utilizando este recurso. Uma cantora e um guitarrista formam a banda do espetáculo nesta apresentação na programação do Festival Porto Verão Alegre. A interação entre eles e os bailarinos é pequena. Excetuando-se a primeira cena, em que Camila Balbueno, artista dotada de uma voz com belo timbre e técnica vocal excelente, canta rodeada pelos intérpretes (que fazem coro em alguns breves momentos), os músicos ficam sentados em duas cadeiras ao fundo do palco. Me pergunto o quanto disso é escolha estética e o quanto é necessidade técnica, pois, citando novamente a experiência com flamenco, sabemos como pode ser complicado mover músicos pelo espaço. Na grande maioria das vezes, não há microfones, caixas de retorno, canais na mesa, cabos, sistemas sem fio e outras aparelhagens sonoras que possibilitem uma boa execução da musica juntamente com o movimento. Neste caso, as impossibilidades técnicas acabam se impondo aos desejos estéticos e de criação cênica.
Outro elemento que participa em apenas um momento do espetáculo são os quatro manequins posicionados no fundo da cena ao lado dos dois músicos. Será que aqueles dorsos pintados e grafitados com tintas coloridas não poderiam também participar do movimento da cena, ao invés de ficarem imóveis para serem manipulados em apenas um momento? Agora é a experiência com a dança teatro (ou outro nome que prefiram) que me faz imaginar quais outras possibilidades aqueles interessantes elementos cênicos teriam na construção das coreografias e cenas. Como no teu corpo verso ser parece estar em processo, algo comum em espetáculos recentes e das linguagens contemporâneas, estes manequins poderiam ajudar a compor uma cena final, que acho que ainda precisa ser encontrada. Eles também poderiam ser utilizados para quebrar um pouco o ritmo do espetáculo, que intercala cenas faladas com dançadas, quase sempre sendo uma coreografia, um texto dito por algum dos intérpretes, outra coreografia, outro texto e assim sucessivamente. De toda forma, o espetáculo consegue manter uma boa dinâmica musical e nas coreografias, ao misturar de forma inteligente, solos, duos e momentos em grupo.
A Curvas em Dança é um companhia que reúne um elenco heterogêneo e harmônico ao mesmo tempo. Corpos magros, gordos, altos, baixos, com muita ou pouca experiência em dança, se reúnem para colocar em cena coreografias bem elaboradas que demonstram um consistente trabalho de pesquisa e de exploração das possibilidades do espaço e de cada corpo em cena. O grupo é jovem e parece ter boas bases de conhecimento sobre os recursos coreográficos disponíveis. no teu corpo verso ser é uma proposta ousada, por misturar música, texto e dança, e ao mesmo tempo simples e bem realizada por toda a equipe, seja técnica ou artística, nela envolvida.
Ficha técnica no teu corpo verso ser:
Elenco: Giovana Rigo, Gianna Soccol, Karla Santos, Luan Hoffman, Paula Quirino, Rafaela Machado e Teti Ametista
Direção geral: Rafaela Machado
Direção cênica: Luan Hoffman
Textos: Júlia Córdova
Música ao vivo: Camila Balbueno e Ramon Gomes
Técnico de luz: Carlos Azevedo
Técnico de som: Manu Goulart
Cenografia: Alex Zardin
Filmagem e edição: Main Quest
Produção: Seis por Oito
Realização: Companhia Curvas em Dança
Depois de um período onde a falta de tempo imperou por aqui, estou novamente tentando escrever alguma coisa sobre algo. Escrevi mentalmente umas três ou quatro crônicas durante este tempo em que estive ausente, mas o ritmo acelerado dos dias nos quais vivemos me impediu de colocar elas neste espaço que creio já ser ultrapassado. Apesar disso, retomo a escrita motivada por uma oficina de crítica de dança expandida para a qual me inscrevi. Estou, portanto, juntando a vontade um tanto reprimida com a necessidade de escrever sobre experiências vivenciadas.
No dia 24 de novembro de 2024, assisti ao espetáculo, ou melhor, palestra dançada, Gordança, uma pesquisa e espetáculo da bailarina Renata Teixeira na Zona Cultural em Porto Alegre. O local onde o espetáculo ocorreu contribui bastante para a boa experiência, já que, no início da cena, Renata chega pela plateia, como pesquisadora, perguntando aos presentes se estavam ali mais pela palestra ou pela dança. Afirmo que o local ajuda, pois a Zona Cultural proporciona espaço cênico, mas também um bar, sendo possível comer e beber mesmo nas cadeiras destinadas ao público, o que torna a "espera" por este momento da pesquisa mais informal e agradável.
Minha intenção aqui não é descrever o que ocorreu naquele domingo na Zona Cultural, mas salientar aspectos que considerei importantes. O fato de chamar o que assistimos em Gordança de "palestra dançada" é muito interessante, pois estas palavras descrevem exatamente o que ocorre na cena. Neste sentido, gostaria que os gestos que a intérprete faz enquanto fala fossem mais exagerados ou maiores. Talvez fosse interessante testar quais movimentos corporais aquelas palavras provocam. Pode ser algo discutível, pois entramos na velha e infindável discussão do que pode ser considerado ou não dança. Seria a amplitude, quantidade ou qualidade de movimentos fatores definidores da dança? O fato do tema ainda ser colocado em pauta e de seguir fomentando muitos minutos de discussões e elaborações sobre ele parece revelar que classificar o que é ou não dança continua sendo relevante para muitos, embora eu mesma considere este um assunto também ultrapassado.
Colocando esse detalhe de lado por não ser o foco destas linhas, Gordança traz pra cena um outro tema que julgo importante, um verdadeiro tabu na dança, principalmente na dança clássica: a gordofobia. Acho que todas as pessoas que estiveram em alguma aula de dança alguma vez na vida passaram por essa sensação de sentirem que seu corpo, forma ou peso não estavam adequados àquela prática. Os grandes espelhos, as imagens de grandes nomes da arte (todos/as pertencentes a um mesmo padrão físico), o contínuo reforço de um padrão a ser atingido e mantido, os modelos e tecidos dos figurinos, contribuem para que sigamos criando imagens e padrões mentais que reforçam a busca por uma forma magra, alta e longilínea. Já aprendi que não devemos falar do corpo do outro e que magreza não é sinônimo de saúde, bem como gordura não é sinônimo de doença, mas certos padrões construídos em anos e anos de aulas de ballet seguem presentes comigo e guiam olhares e gostos por certo não mais verbalizados, mas que seguem incorporados.
Apesar da pertinência e relevância do tema e das reflexões que ele suscita, acho que a palestra dançada desvia um pouco do foco quando a intérprete passa a relatar vivências relacionadas à sua mãe e avó. Eu entendo o momento como uma necessidade que nós mulheres sentimos de falar sobre as mulheres importantes das nossas vidas. Deve ser porque a sociedade patriarcal em que vivemos faz questão de esconder as conquistas e existências das mulheres. Em Gordança, no entanto, embora a "presença" destas mulheres nos demonstre como esses padrões físicos são impostos a todas, mesmo aquelas que não dançam, parece que, cenicamente e para o reforço da mensagem que julgo ser central à obra, a apresentação destas mulheres não se configura fator fundamental para a compreensão sobre a gordofobia na dança.
Por último, quero ressaltar a excelência técnica de Gordança, a encantadora presença cênica de Renata e a satisfação de ver um tema tão relevante e pouco comentado como a gordofobia na dança e na nossa sociedade ser colocado á luz de forma poética e engraçada, gerando boas reflexões e outras, como este texto, nem tanto assim. De toda forma, é bom retomar a escrita mesmo que ainda enferrujada, atrasada e desordenadamente.
Ficha técnica Gordança - uma palestra dançada:
Direção: Guadalupe Casal
Elenco: Renata Teixeira
Coreografia: Renata Teixeira
Dramaturgia: Renata Teixeira e Patricia Fagundes, costurando textos de diversas autoras e referências;
Criação de luz: Vigo Cigolini;
Operação de luz: Anne Plein;
Operação de vídeos: Ursula Collischonn;
Desenho de som/trilha sonora e operação de som: Casemiro Azevedo;
Criação e edição de vídeos: Renata Teixeira e Duda Rhoden;
Cenografia: criação coletiva;
Concepção de figurino: Renata Teixeira;
Produção: Renata Teixeira e Renata Stein;
Mídias e produção de conteúdo: Renata Stein;
Arte gráfica: Luiz Argimon e Renata Stein;
Fotografia cênica: Débora Koller;
Assessoria de imprensa: Renata Stein.