Alyne Rehm é pesquisadora do corpo e dos processos de constituição do sujeito através de práticas corporais e discursivas. Tendo sua trajetória acadêmica na Letras, pesquisa porque não sabe viver de outro jeito: precisa estar sempre aprendendo. Às vezes, dá aulas de yoga, entendo o tapetinho como mais um espaço de pesquisa, onde quem pratica é, ao mesmo tempo, pesquisador e objeto de pesquisa. Às vezes cozinha; às vezes escreve; às vezes dança. Cozinha melhor do que escreve; escreve melhor do que dança. Suas melhores danças são sempre enquanto cozinha, acompanhada de uma taça de vinho e do olhar crítico de dois gatos pretos. Qualquer dia, larga tudo para abrir um pequeno restaurante vegano em alguma praia paradisíaca, com uma plaquinha escrito "proibido dançar, mas se quiser, pode".
Quarta-feira, 09 de julho de 2025. Noite de estreia. No palco do Teatro Oficina Olga Reverbel, em Porto Alegre, se deu a primeira e única apresentação do espetáculo de butoh Mares e nuvens flutuantes, quinto espetáculo em que Ana Medeiros e Hiroshi Nishiyama dividem a cena e terceiro sob direção de Etsuko Ohno.
Antes de seguir, quero pedir já de antemão desculpas por quaisquer coisas que eu possa dizer sem o devido conhecimento da cultura japonesa. Não sou uma conhecedora dos hábitos e dos costumes japoneses, mas tenho a impressão de que, no Japão, tem-se muito respeito pela vida, pela morte, pelo tempo. Tanto no que tange a si quanto no que tange ao outro. Respeito e cuidado. E digo isso pensando que, desde os primeiros instantes do espetáculo, desde a entrada do público no teatro, havia respeito e cuidado. Ao entramos, recebemos um rolinho de papel. Não me detive a abri-lo. Guardei-o na bolsa enquanto me acomodava na cadeira e me pus a observar a cena. O respeito e o cuidado novamente lá: que cenário lindo! Que luz bonita!
A plateia conversa. Eu converso com colegas queridos que encontrei lá. Divido minha atenção entre as conversas e a contemplação daquele cenário tão branco, tão leve, e, ao mesmo tempo, tão imponente, tão forte. No centro e a frente do palco, reparo em um amontoado de tecido preto sobre uma mesa baixa. A luz diminui. Nishi entra em cena. Tão branco quanto o cenário, tão leve, e, ao mesmo tempo, tão imponente, tão forte. Que figurino lindo! Penso novamente no respeito e no cuidado, entregues em cada detalhe. Depois de me hipnotizar com sua movimentação, Nishi sai de cena.
Aquele amontoado de tecido preto sobre a mesa, que eu não conseguia ver muito bem devido ao lugar onde sentei, começa a movimentar-se. É Ana. Ela sempre esteve lá. Desde antes da entrada do público, desde antes do começo, ela estava lá. Igualmente leve e forte, mas de outra forma: como a morte, que acompanha a vida desde seu princípio, trêmula, como as carnes de Ana; como um fungo – penso num cogumelo –, que brota discretamente no improvável, que se alimenta da morte e que, com o passar do tempo, se faz exuberantemente vivo. A carne trêmula, a vibração suave, o movimento lento, amplo, que nasce na coluna e se estende até as pontas dos dedos, me capturam. Depois de me hipnotizar com sua movimentação, Ana sai de cena.
Entre solos e duos, entre pontadas e ondulações, entre preto e branco e amarelo, não importa se vai tudo bem ou se vai tudo mal: em algum momento vem a vida e nos joga um balde d’água fria na cara. Aqui, literalmente. Mas a vida segue dançando. E a morte segue junto. Elas dançam num equilíbrio inefável, o qual somos humanamente incapazes de compreender. Talvez não devêssemos levá-las tão a sérios. Respeitá-las sim, com graça e alguma leveza.
Por acompanhar as redes sociais dos artistas, eu sabia que Mares e nuvens flutuantes é, em parte, um reenactment da obra The Dead Sea, de Yoshito Ohno, que teve sua estreia em 1986. E como reenactment, não é apenas uma simples reconstituição/reencenação, uma mera reprodução, como poderíamos traduzir apressadamente e com algum descuido; é uma reencenação que já é outra coisa, que gera diferença, pois apresenta muitas outras possibilidades de existência da obra que reencena, sob diferentes molduras afetiva, estética e política. Nas palavras de Ana, ela e Nishi reimaginaram a partitura de Ohno, atendendo a um pedido da própria família dele. Ao que me parece, os artistas mergulharam nas imagens da obra de Ohno e emergiram, em meio a espuma das ondas do mar, em outras imagens. Ondas que ora morrem suaves na areia, ora quebram violentas contra rochedos. Imagens que tecem conexões entre Brasil e Japão, que conferem brasilidade à arte japonesa do butoh e que atualizam a obra de Ohno, apresentando questões pertinentes ao nosso tempo, como a enchente de maio de 2024 que assolou o Rio Grande do Sul.
Ao final, após os agradecimentos, Ana nos conta que o rolinho que recebemos na entrada é a ficha técnica do espetáculo, a qual foi impressa em uma fina folha de um pinheiro típico do Japão, que ela e Nishi trouxeram de sua última viagem, para que tivéssemos um cheirinho de lá. Mais uma vez, o respeito e o cuidado. Quanto carinho!
Saí do teatro com a polêmica frase de Vinícius de Moraes na cabeça: “as muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”. Butoh é uma experiência estética; é um exercício de contemplação. Há beleza a ser contemplada na matéria física – nos cenários, nos figurinos, na luz –, mas também na matéria etérea – nos movimentos ora suaves, ora fortes; ora leves, ora pesados; ora sérios, ora jocosos. E beleza, aqui, não deve ser entendida meramente como algo belo, mas como algo que toca, que comove, que desacomoda, que causa reflexão. Afinal, não é essa a função da arte?
Em meio à aceleração em que vivemos, flutuando entre informações e imagens que tomam nossa atenção produzindo paradoxalmente um efeito de desconexão e de vazio, Mares e nuvens flutuantes vem na contramão dessa velocidade: é um convite para pararmos e investirmos nosso tempo em contemplar aquilo com o qual somos presenteados a ver, sem pressa, como quem caminha na beira do mar, observando as formas que as nuvens fazem ao passarem despretensiosamente frente aos seus olhos e sendo tocado pelas ondas que morrem junto aos seus pés, num exercício de conexão consigo e com o todo. Ana e Nishi nos ofertam com cuidado um espetáculo de grande beleza, em respeito aos nossos tempos, às nossas breves vidas e às nossas inevitáveis mortes.
Alyne Rehm
Porto Alegre, julho de 2025.
Mares e nuvens flutuantes
Gênero: Butoh
Duração: 50 minutos
Sinopse: Mares e nuvens flutuantes é o novo espetáculo da dupla Ana Medeiros e Hiroshi Nishiyama, o terceiro dirigido pela matriarca da família Ohno, Etsuko Ohno. O espetáculo é banhado por imagens que evocam a beleza, a complexidade e a (in)finitude da vida. Utilizando a linguagem do butoh, dança que nasceu no Japão no final da década de 50, a pedido da própria família dos mestres, os bailarinos imaginam o butoh-fu, coreografia criada por Tatsumi Hijikata para o mestre Yoshito Ohno, que a dançou pelo resto de sua vida. Os bailarinos dançam com as sombras que permeiam os nossos espaços e encaram a vida costas a costas com a morte, como faces de uma mesma moeda. Minimalista em cores e movimentos, o espetáculo celebra imagens e memórias com um olhar impressionista, enevoado e flutuante. No intenso sentir, encontram o sutil pisar, veem as horas escorrendo em comungo com os mortos e encontram o sol nascendo profundo e turbulento. Um espetáculo que carrega memórias, o legado de mestres da arte Butoh, e de forma sensível propõe uma reflexão sobre a beleza possível que pode existir até mesmo nas mais improváveis circunstâncias.
Ficha Técnica
Direção: Etsuko Ohno | Assistente de direção: Mikako Ono e Keiko Ohno | Dançarinos: Ana Medeiros e Hiroshi Nishiyama | Iluminação: Carol Zimmer | Operação de luz: Virginia Cigolini | Figurinos: Etsuko Ohno e Rei Kawakubo | Confecção dos figurinos: Margarida Rache | Cenografia e cenotécnico: Rodrigo Shalako | Desenho sonoro e intervenções na trilha: Casemiro Azevedo | Produção executiva: Betina Carminatti | Assistente de produção: Ursula Collischonn | Assessoria de imprensa: Matheus Pannebecker | Fotos: Fábio Zambom | Arte Gráfica: Paulo de Araújo | Elaboração de projeto: Cibele Donato
Quarta-feira, 28 de maio de 2025. Chovia suavemente em Porto Alegre, aquela chuva fina e insistente que molha tudo profundamente sem que percebamos. Fazia frio. Um frio mais frio que os outros frios por ser o primeiro do ano. Me vesti para sair, acomodei os gatos entre as cobertas, deixei um vinho aberto, respirando, para quando eu voltasse e fui ao teatro assistir a um espetáculo dentro da programação do 19. Festival Palco Giratório, promovido pelo SESC/RS.
Nem teatro, nem dança: teatro de formas animadas. Mas nada me tira da cabeça que eu assisti a um dos melhores espetáculos de dança dos últimos tempos. E digo isso com respeito ao teatro, mas puxando a brasa para o meu assado.
Que trabalho corporal! Que abdômen forte essa mulher deve ter! Que presença! Coisas que se passaram na minha cabeça durante os pouco mais de 40 minutos da imersão em presença que foi Habite-me. A presença de Carolina Garcia Marques era tanta que era duas – senão mais –, capaz de animar os corpos dos objetos em cena, a ponto de, por vezes, eu me confundir sobre quem era a atriz e quem era a marionete. Uma confusão que não foi só minha, pois, ao final do espetáculo, pude ouvir algumas pessoas tecendo comentários semelhantes às minhas impressões.
Mas antes do fim, o começo. Havia um texto em áudio do qual eu não me recordo de uma única palavra. Não sei se foi um problema técnico do equipamento de som do teatro ou da narração em si, pois algumas palavras, principalmente as de fins de frases, ficaram ininteligíveis. Não me esforcei para entender o que estava sendo dito. E não sei se o que foi dito me preparou, ainda que inconscientemente, para a experiência que viria a seguir.
Quatro cenas sobre amor, vida e morte. Quatro cenas paradoxalmente brutas e delicadas, embaladas por uma trilha igualmente leve e forte, meio gipsy, meio Amélie, e pontuadas por uma luz que trabalhava, junto à Carolina, na animação do cenário. As máscaras e os figurinos mantinham a coerência do paradoxo: meio românticos, meio grotescos, como peças retiradas de um baú empoeirado esquecido em algum sótão. Esquecido como memórias solitárias de momentos compartilhados. Memórias que se davam a ver em cada cena, apresentando encontros, desencontros, celebrações, despedidas, lutos. E talvez esse seja o ponto em que Habite-me tenha me tocado tanto: minhas memórias são apenas minhas. Ainda que os momentos das quais elas surgiram tenham sido compartilhados, o que eu lembro, como eu lembro, como eu construo essas memórias preenchendo suas lacunas só eu posso lembrar dessa forma. Ainda que agradáveis, as memórias são solitárias. E quando eu morrer, todas elas morrerão comigo. E tem uma certa beleza nisso, nessa finitude que passamos a vida toda ignorando.
Por fim, não satisfeita em dar alma às marionetes, Carolina animou parte do cenário, dançando (eu já disse que, para mim, era um espetáculo de dança?), sozinha, até a morte, simbólica ou real, afinal, é disso que o espetáculo trata: da brevidade da vida, da nossa própria efemeridade, dos modos que nos relacionamos com os outros, com o entorno, com nós mesmos.
Era tudo muito simples. Ou, ao menos, parecia tudo muito simples. As histórias apresentadas em cada cena eram simples. As movimentações da atriz, das marionetes, dos objetos eram simples. Mais uma vez, o paradoxo: o extraordinário se fazendo a partir da execução absurdamente precisa do ordinário. E certamente isso se deve à impressionante habilidade somada à presença de Carolina em manipular as marionetes e os objetos em cena, fazendo parecer simples, suave, terno algo que demanda muita técnica e muito trabalho árduo.
Saí do teatro me perguntando: Habite-me, assim, no imperativo, é um convite? Uma ordem? Um encantamento? Um encantamento, com toda certeza, desses que, ao dizê-lo, se materializa, pois voltei para casa habitada pela profunda beleza do que eu havia assistido, transbordando amor ao pensar nos afetos que tenho por perto. Chegando em casa, vesti uma roupa confortável, servi uma taça de vinho, sentei no sofá, me aconchegando nos gatos, e sorri, agradecida: que sorte a minha ter saído de casa nessa noite de chuva e de frio.
Habite-me
Carolina Garcia Marques (RS)
Gênero: Teatro de Formas Animadas
Duração: 50 minutos
Sinopse: Corpo marionetizado e boneco animado. Face a um mundo pervertido em seu sentido ético, no qual os valores fundantes de nossa natureza humana, entre eles o amor, a compaixão e o respeito pelo mundo e pelo outro parecem corroer-se, a arte ainda é capaz de nos lembrar sobre a brevidade da vida, sobre nossa efêmera passagem neste planeta e sobre os caminhos que escolheremos para percorrer essa jornada.
Ficha Técnica: Atuação e Pesquisa: Carolina Garcia Marques. Direção de Dramaturgia: Paulo Balardim. Bonecos e Máscaras: Emilie Racine. Trilha Sonora Original: Tuur Florizoone. Cenografia: Elcio Rossini. Figurinos: Cris Lisot. Criação de Luz: Renato Machado. Operação de Luz: Luana Pasquimel – David Lippe – Clermont Pithan. Operação de Som: Wilson Neto. Preparação Corporal: Marcia Pinheiro e Laurence Castonguay. Operação de Infláveis: Antonio Maggionni. Realização: Cia 4 Produções e Cie Territoire 80 (Montreal). Produção Executiva: Líria Cultural. Co-Produção: Cia 4 Produções e Cie Territoire 80.
Quando começa uma catástrofe? Quando termina?
Quando começa um espetáculo? Quando termina?
Quando se agradece um espetáculo? Quando termina?
Quem agradece?
M u i t o o b r i g a d a!
Não, espera! Eu não deveria agradecer. Eu era público. Minha função era apreciar o espetáculo e aplaudir quem estava em cena ao final do mesmo. E quem estava em cena deveria, por sua vez, em retribuição aos aplausos, agradecer.
Não, espera de novo! Eu não estava em cena? Aquela história não era minha? Não era a minha vida sendo contada ali no palco, na plateia, na sala de ensaio, nas ruas da cidade, na minha rua, no meu prédio que ficou com mais de 1m de água por mais de 1 mês? Mas meu apartamento é no 3o andar. Minha casa não foi atingida, mas eu fui. Quando mesmo que começa e quando termina? Começa muito antes da primeira gota de chuva. Começa muito antes de uma notícia no rádio. Começa muito antes da primeira entrada na sala de ensaio. Começa muito antes, arrisco dizer, de nos apercebermos do começo. Quando nos damos conta, já estamos dentro. E agora? Qual a minha, quais as nossas funções?
Chove, chove, chove. Ouve rádio. Sobe água. Corre, corre, corre. O rádio. Sobe mais. Sai de casa. Mais rádio. Separa roupa, separa comida. Excesso de rádio. Excesso de água. Doa roupa, doa comida. Rádio. Compra bota, compra capa, entra na água. Muita água. Rádio. Para, pensa, sente: chora. Ainda o rádio. Se recupera. Ouve rádio. Faz voluntariado. Para chuva, volta chuva. E mais rádio. Resgata gente, resgata pet. Rádio. O carameeeeelo! Rádio. Os dias passam. A chuva passa. O rádio passa. Não precisa mais.
Já terminou?
Já pode agradecer?
[...]
Quando um sistema colapsa?
Quando um corpo colapsa?
O que fazemos com nossos corpos colapsados por um sistema colapsado pelas águas?
É possível que sigamos imunes ao caos [de fora e de dentro] de uma catástrofe climática?
Em alienação, talvez sim. Mas enquanto corpos-sujeitos-sociais, a imunidade não existe.
O meu corpo colapsou durante os 50 minutos do espetáculo, assim como durante o primeiro mês da enchente – já terminou? Minha casa não foi atingida, mas eu fui. M e u c o r p o f o i. Durante o espetáculo, me peguei várias e várias vezes tentando me reorganizar na cadeira. Os
ombros fechados, a coluna arredondada, os olhos úmidos. Na tentativa de proteger o peito [de dentro e de fora] e de não transbordar, colapsei. Acordei no outro dia com o pescoço duro. Tensão. Não terminou. Reverbera ainda agora, dias depois [do espetáculo], meses depois [da enchente] enquanto escrevo esse texto-agradecimento para uma eco-performance de dança-denúncia.
Terminou?
Agradeço agora?
[...]
... na tentativa de não transbordar...
... falhei.
Falhamos [quase todos]. Transbordamos – [eu, tu, o rio] – [quase todos]... nos intoxicamos: pelo excesso das vozes no rádio, que traziam informações atualizadas a cada instante; pelas águas contaminadas invadindo as casas, expulsando as pessoas que não deveriam estar lá (ai, mello, sério?!); pelos pronunciamentos dos desgovernantes; pelas doações que já não eram mais aceitas; pela romantização da catástrofe contornada pela solidariedade dos civis (mello-mello, leite-leite, que conveniente); pela resistência de um cavalo caramelo; pelos entulhos de restos de vidas se acumulando nas calçadas depois que a água baixou, rápida e eficazmente recolhidos pelo desgoverno, trazendo uma sensação de limpeza, de ordem, de término; e, por fim, pela escuridão.
Terminou? Agradeceço?
[...]
O que fizemos/fazemos com aquilo que da enchente ficou/fica em nós?
Se andarmos pela cidade, as marcas da água ainda estão nas paredes dos prédios; se procuramos nos informar, famílias seguem em abrigos, cidades seguem destruídas, vidas seguem devastadas; se olharmos para nossos corpos certamente encontraremos marcas (físicas, mentais, emocionais) da experiência da enchente em nós, ainda que não tenhamos consciência delas ou que, tendo, as ignoremos.
O que podemos – se é que podemos – fazer com essas marcas?
Em meio a uma trilha sonora radiofônica-narrativa-informativa-crítica-irônica-sarcástica-histórica-ácida-n e c e s s á r i a, Cibele Sastre, Fabiano Nunes e Ju Vicari fazem dar materialidade às marcas – memórias? – da enchente nos/dos/através de seus corpos, de suas experiências corporais em meio a muito barro, muita lama, MUITA ÁGUA, num movimento de recortar[se] e colar[se] a catástrofe climática vivida por eles, por mim, por nós em 2024, proporcionando a nós, espectadores, alguns instantes para [re]visitarmos o auge da enchente, para pararmos e
sentirmos, para vermos de fora o que aconteceu, entendendo que o fora também é dentro, espectadores-atores, e que não haveria como não ser, e, sobretudo, para que não esqueçamos de algo tão recente e, paradoxalmente, tão distante. Experiências, marcas, memórias. Pessoais, particulares, privadas. Coletivas, compartilhadas, públicas.
Já terminou?
Mas quando é mesmo que se agradece?
Se insisto nessas perguntas é porque não, ainda não terminou. E porque desde os primeiros instantes do espetáculo, sentindo meus ombros pesados e meus olhos molhados, quis agradecer aos três eco-performers por não deixarem a catástrofe climática ocorrida no Rio Grande do Sul em maio de 2024 cair no esquecimento, por dizerem-dançarem-denunciarem tudo o que disseram-dançaram-denunciaram, do modo como disseram-dançaram-denunciaram.
Enfim, MUITO OBRIGADA!