Bruna é bailarina, coreógrafa, pesquisadora e uma das pioneiras do Tribal Fusion no Rio Grande do Sul. Diretora da Cia Tribal Al-málgama, possui sete Prêmios Açorianos no total. Participou como bailarina solista no Tribal Fest 2016 nos EUA e conquistou diversos prêmios em festivais renomados como Joinville, Porto Alegre em Dança e Bento em Dança.
Amante das artes em todas as suas formas, Bruna entende a manifestação artística como uma janela para o interior - é nela onde se arrisca a se reconhece cada vez mais.
Movida pelo desejo de explorar novas possibilidades criativas, este ano, iniciou no projeto de escrita sobre dança, uma área que sempre se sentiu insegura , mas que está adorando o desafio.
O trabalho de dança bem feito dialoga com o emocional, evocando uma interpretação profundamente pessoal e subjetiva. Assim como diria Clarisse Lispector que cada livro é um livro diferente para quem o lê, no caso da dança, cada espetáculo é um para quem o vê. O espetáculo Procedimento #6 cumpriu seu propósito pra mim, ele emocionou e gerou provocações. Me levou a interpretar como uma busca de identidade, um descontentamento com os moldes, um desejo de se movimentar além dos limites físicos inclusive. Talvez essa interpretação seja mais um espelhamento do meu momento do que de fato o propósito da criadora.
Mas foquemos no espetáculo:
O espetáculo Procedimento #6 se constrói a partir de uma experiência visual e sensorial que mistura o som, o corpo da bailarina, as projeções digitais e as interações entre luz e sombra, criando, uma sensação de fragmentação e de busca por identidade. A proposta de envolver o público nas projeções no início do espetáculo estabelece uma relação imediata entre os espectadores e o que se desenrolará em cena, sugerindo a construção da identidade. O figurino que lembra a personagem de Milla Jovovich no filme 5° elemento, reforça a ideia desse ser perfeito/imperfeito. Esses padrões, por serem impossíveis de se alcançar, geram um processo traumático, em que o indivíduo é forçado a se ajustar a algo que não pode se ajustar a ele.
Alguns pontos de destaque:
*A imagem da bailarina no início, me remeteu a um animal enjaulado, uma metáfora para a sensação de confinamento e observação. Seu olhar incerto e ao mesmo tempo firme para o público transmite uma vulnerabilidade, como se estivesse presa em uma condição.
*Ainda no inicio do espetáculo, a bailarina se coloca em uma "caixa cênica" onde e a luz que se projeta, aliado a música dessa cena, faz remeter a um scanner ou impressora em ação. Me chamou atenção a pausa focada na região genital, me trouxe à mente a ideia do sexismo social, no qual o corpo feminino é constantemente reduzido à sua sexualidade.
*A relação entre a bailarina e as projeções na caixa, com imagens fragmentadas e cortadas, cria uma sensação de dispersão da identidade, como se a personagem estivesse sendo constantemente reconstruída, quebrada e reconfigurada. A ideia de que as imagens projetadas possam ser várias versões dela mesma – ou muitas versões de uma única vida.
*Me chamou atenção o acessório de cabeça da bailarina, que lembra um pouco um acessório ciborgue, me lembrou a antena de Neil Harbisson (daltônico ciborgue que ouve as cores) e ao mesmo tempo ela tem um formato de cruz que carrega uma questão cultural. Nesse quesito, unido a escolha do figurino e a algumas músicas com ruídos tecnológicos que por vezes apareciam, me fez questionar se essa busca por identidade teria relação com a perda da humanidade.
Em resumo, Procedimento #6 é uma reflexão profunda sobre o corpo, a identidade e as limitações humanas. A escolha das músicas, a utilização de projeções e luzes não é meramente estética, mas um recurso para intensificar as questões existenciais que o espetáculo propõe e transbordar o movimento que o corpo não dá conta. A obra é intensa e multifacetada, oferecendo ao público uma experiência provocativa, visual e emocional.
Então, vamos lá! Vou escrever sobre “Onde está Cassandra”. Demorei um pouco para escrever, pois costumo ter dificuldades de me expressar quando alguma obra me toca. Isso acontece com a música, com a dança, enfim, com todas as minhas inspirações criativas. Eu costumo digerir tudo para ter coragem de expor essas inspirações. Creio que isso reflete na minha característica (que eu não gosto em mim) de achar que nunca vou conseguir chegar no mesmo nível em que aquela inspiração me tocou.
Mas vamos lá… Nunca me senti bem ao escrever, é um exercício que me vejo vulnerável. No entanto, estou num momento de me desafiar. Não preciso chegar a grandiosidade das obras que critico, mas, se conseguir ao menos me fazer entender, já vale a pena. (tentando me resolver internamente aqui hehehe)
Onde está Cassandra? Cassandra está guardada no íntimo de cada pessoa. Tem muito a ver com essa coragem de se expor, a coragem de ser legítima e de enfrentar os julgamentos. É sobre isso! É sobre coragem, mas também é sobre violência - não de uma forma apelativa e dramática, e sim de uma forma leve, muitas vezes engraçada, mas que ainda assim gera reflexões.
Eu não participo do universo LGBTQIA+, mas consigo imaginar, pois convivi com esse universo desde cedo. Meu avô era gay e artista, promovia diversas festas dentro do universo artístico gay, incluindo performances drag queen. Só após sua morte é que fui entender a profundidade disso tudo, e confesso que sinto uma tristeza por não ter compreendido antes. Gostaria de ter me envolvido mais com sua vida, de ter incentivado e apoiado mais suas escolhas. Penso em como, assim como Cassandra expõe com tanta sensibilidade na peça, essa exposição exige, num país como o nosso, uma coragem imensa, e também um ciclo de apoio. Também penso em como tudo isso deve ter sido para o meu avô, vivendo no início do século passado.
Enfim, a arte transcende o que ela propõe. Ela cria uma ponte com nossas próprias vidas, fazendo-nos conectar com situações que nos tocam de maneira única. Eu chorei, ri e vibrei, emocionada por todas as Cassandras que estão presentes e na luta .
Agora, um olhar técnico: os jogos coreográficos, adorei! O contraponto de cenas de movimento simultâneas, a cena das perucas <3, o cuidado visual impecável da cena, a excelente direção artística.
E para finalizar, a conclusão que eu chego é o quanto essa jornada de autodescoberta e exposição, seja pessoal ou artística, é uma luta constante. “Onde está Cassandra” é sobre se permitir ser visto, mesmo quando o medo do julgamento parece maior. A coragem de Cassandra é, ao mesmo tempo, um reflexo e uma lição, algo que não só reverbera na peça, mas ecoa dentro de nós, em nossas próprias histórias, no que somos e no que aspiramos ser. A arte, como sempre, nos provoca, nos ensina, nos transforma. <3