Clarissa Brittes é yoga-arte-educadora e performer, especializada no trabalho com camadas sutis de integração corpo-mente e na relação com o espaço e com o coletivo. Graduou-se em Licenciatura em Dança pela UFRGS e especializou-se em Dança pela PUCRS, aproximando a dança de uma abordagem com camadas internas (pesquisa somático-performativa), gerando movimento a partir das sensações na relação com o ambiente. É reingressa na licenciatura em teatro UFRGS, com foco na docência, em escrita performativa, teatro do oprimido, performance e estudos do tempo. O trabalho com Teatro, Educação Somática, Yoga e Dança se atravessa por trabalhos lúdicos e dinâmicos utilizando utensílios, elementos acrobáticos, sonoros, sensoriais e compreensão de camadas sutis, propriocepção, organizações corporais e desenvolvimento motor. Sua pesquisa é direcionada à experimentação, instalação e expressividade dos cinco elementais védicos (Terra, Água, Fogo, Ar e Éter ou Espaço) numa aproximação entre arte e ecologia integral e à performance somática. Cursou BMC – Body Mind Centering em Berlim.
Um trio
De corpos que trazem sua identidade
No entardecer
Sem luz de palco
Sem cenário
Com dois baldes e alguma água
E com figurinos que poderiam ser cotidianos
Um experimento performativo
Que faz aqueles que esperam um espetáculo levantarem e saírem
"Hermético?"
"Precisava avisar o público"
"Poxa, 100,00 pra isso?"
Eu honestamente, quando vou assistir dança aqui, esperava muito ver algo assim. Talvez eu me identifique com o processo de quando Matej Qejzar (ex Cia Rosas) passou por nós no GED - Grupo Experimental de Dança em 2013. Só sei que submergi. Quando me via estava caindo pro lado na cadeira mergulhando junto, me abraçando sem perceber ou sacudindo suavemente ...quando transborda no final (desculpa pelo spoiler) eu também transbordo. Sem interpretação de significados somente pela emoção da sensação cinestésica de me colocar nessa fenda de tempo espaço para observar (com o corpo por todos os póros- adoro)
Que zona é essa que enche tanto que derrama? Que outro é esse onde a gente se derrama e que se derrama na gente? Que quanta água tem nesse corpo que
trans
borda
de suas
bordas
Que de tanta água
que molha
que
respinga
E
E E
O
D
X
P
L
e JORRA
sacode
e beija
carrega e se carrega
Que tanto de insistência num movimento
Te prende por um longo tempo
Até virar outra coisa
Que tanta água
E formas de água
Tem nesses corpos
E balançam
Sacodem
Fluem
Espiralam
Se divertem
Se derramam
Se derramam quando
Passa do limite
De desejo
De alegria
De indignação
De não caber dentro de si o tanto que
Ficha Técnica
Concepção, Coreografia e Performance: Catol Teixeira
Performers e Co-criação: Auguste de Boursetty, Luara Raio
Criação Sonora: Luisa Lemgruber
Produção e Administração: Rabea Grand
Produção e Distribuição: Assia Ugobor
Produção: Association UÀ
Coprodução: Este projeto faz parte do RESO – fundo suíço de coprodução, em colaboração com o festival far°, Gessnerallee Zurique, Pavillon ADC – Genebra, Théâtre Vidy-Lausanne. Points Communs – Nouvelle Scène nationale de Cergy-Pontoise / Val d'Oise, EFFEA – em colaboração com o Festival de Santarcangelo e o Südpol Luzern, como parte do programa Extra Time Plus.
Apoio: Pro Helvetia - Fundação Suíça para a Cultura
Produção no Brasil: Rachel Brumana, Dani Correia e Veni Barbosa/Associação SÙ de Cultura e Educação
Créditos das Fotos: Pietro Bertora, Binta Kopp
Referências, colagens, cópias, remixagens... remixagens... remix... taí uma boa definição para falar da poética de um corpo que tem história. Ainda mais uma história que se constrói nesse lugar tão ... tão ... tão ...
E todos tem.
História …
Todos os corpos…
E esse no caso, um corpo de menino preto com 50 anos que sempre teve sopro no coração e nunca parou, conta a sua…
uma história que se constrói nesse lugar tão ... tão ... tão ... dança de rua
quando quase nem tinha
E tantas coisas mais…
Então... bora por na roda!
Todos corpos tem história. E quando tem muitas é tão interessante sentar e escutar, quer dizer... ver contar...não, melhor, bem melhor: é tão interessante dançar a história junto… Então quando você se identifica com as histórias fica fácil mergulhar... anos 80… quando não existia internet, Tik Tok ou tutorial, e a gente via tudo na TV, gravava no cassete e copiava, pra ver e rever.... rebobinando ... passing forward, botando. em s l o w m o t i o n ... nem todo mundo viveu isso assim.
Mas eu vivi.
Também AMO Michael Jakson, AMO James Brown, AMO Flashdance... AMO Capoeira e a abertura clássica do Fantástico ... fiquei me balançando na cadeira com as referências que ele trouxe, foi gostoso e divertido de ver...
Mas identificações à parte:
Será que precisa ter vivido nesse época pra dançar junto? Será que precisa de originalidade pra ser poético? Ou ser poético pra ser original? Ou a originalidade se dá nas nossas reinvenções, nos respiros ... afinal, as coisas que nos atravessam, todas elas somadas, nos tornam deliciosamente únicos e interessantes...
Movemos o corpo de muitas formas ao longo da vida. Quando escrevi minha autobiografia percebi isso: tudo que eu já fiz na vida construiu esse corpo. Até mesmo e acima de tudo: ser professora. E não é? Então vem! Vem aqui aprender a fazer o postura comigo! O passo comigo! A dança comigo! Dança comigo?
Tive a oportunidade de fazer aulas de dança de rua com o performer bailarino em questão aqui ... nosso solista... e me identifiquei com a forma diversa e com as colagens de como ele ensina ... de como ele dança... de como faz a gente dançar ... e tudo isso estava ali acontecendo ... em cena ... ok, tudo isso pode ter me levado pra esse lugar de estar em casa... Tanto que subi no palco pra dançar várias vezes... até a reunião dançante eu revivi.
Identificações à parte ...
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Marco, obrigada! Ninguém dançava com você pois você ficava suado depois de dançar. Ninguém dançava comigo também não sei porque e hoje você me salvou da vassoura num sopro...
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Agradecimentos a parte...
Tá. Você chega ali e tem um DJ. E uma garota que contracena fazendo contraregragem e que também dança. Achei top. Luz neon, projeção, microfone, figurinos, banquinho e logo em seguida corpo que dança o que tá na projeção... como diria o Chico Machado, uma pura e simples sintaxe em que o gesto, a música, o cenário, os objetos e o performer reforçam a mesma ideia...
E em vários momentos reforçam e contam a história... dançam a música no ritmo ...
Puxa! Que óbvio não?
Não!...
Não porque tem nuances, sutilezas, respiros, pausas e releituras. Não porque tem uma combinação única de coisas. Não porque tem surpresas e delicadezas.
E
Sim!...
Sim porque as ideias se reforçam e super funciona! E funciona muita bem porque dialoga com o próprio sentido da obra... da dança... do fato de ser e se assumir um remix. De ser desse lugar da dança que tem tudo a ver com remix. De ser honesto, profundo e verdadeiro no que se propõe colocando à mostra as fragilidades e conquistas desse coração que sopra.
E nós dançamos junto.
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Apreciação de Remix na Roda
Ficha Técnica:
Concepção, Atuação e Coreografia: Marco Rodrigues. Participação Especial e Contrarregra: Natália Nunes. Produção: Luka Ibarra. Direção Cênica: Patrícia Fagundes. DJ: Abu Ewls. Som: Alexandre Birck. Iluminação: Driko Oliveira. Cenografia: Rodrigo Shalako.
Ações no âmbito da Encruzilhada ou
Reflexões no âmbito da encruzilhada de alguém
Não sei se estou falando aqui de um espetáculo que assisti ou de mais de um. Fato é que pessoas brancas batendo cabeça pra santo e vestindo cabaças de um elenco exclusivamente branco fazendo isso gera um certo incômodo embora possivelmente alguém do elenco seja da religião, soa estranho.
Depois de assistir um outro espetáculo com pessoas pretas no elenco fazendo essa pesquisa, tenho outras sensações. De uma apropriação do tema que o leva pra outro lugar. Um contato mais profundo e que se coloca num lugar de encruzilhada, sim, mas também de uma pesquisa corporal para além de uma demonstração de signos e rituais.
Corporal …rítmica … sonora
Temos aí momentos incríveis em que um Exu samba de chinelo, ou um em que a performer simula movimentos de incorporação sendo sustentada por outros bailarinos. Temos momentos interessantes de intersecção entre os elementos que compõem essas encruzilhadas tais como a capoeira e o samba. Performer muito bons, movimentos interessantes, releituras…
No entanto fiquei pensando… por que tive que me esforçar para manter a atenção no espetáculo? Em algum momento me senti cansada e isso não costuma acontecer comigo em nenhum espetáculo. Os bailarinos eram ótimos você via que tinha pesquisa ali, não era óbvio, havia releitura nessas conexões propostas pela encruzilhada. Tinha energia, entrega, presença e muita potencialidade individualmente falando. As construções em duo e coletivas foram exploradas. Mas tinha algo que cansava e vou aqui tentar refletir um pouco sobre elas.
O que vi nos corpos, gostei…No entanto senti que o trabalho, embora contenha a encruzilhada dos elementos que propõem, não entrelaça esses elementos um no outro, fica passeando entre eles, cada um com o seu momento. Sinto falta que samba, terreira e capoeira se atravessam mais um no outro, ou que esses corpos dancem coisas outras com resquícios de todos esses elementos. O que eles trazem de cada elemento, trazem, sim, com muita energia e em tons de alta performance. Me pergunto: será que é sobre isso?
Um outro ponto é a música correspondendo ao movimento o tempo todo. Embora você perceba que às vezes é o movimento do bailarino que conduz a improvisação da música, é tudo sempre muito marcado pela música. Não me refiro aqui a isso como algo que sempre é ruim, mas não ter uma variação, ser assim o tempo todo … vai estabelecendo um tom um tanto repetitivo para o espetáculo.
A pesquisa da sonoridade trilha ao vivo eu acho incrível. Mas ocupava-se um bom espaço do palco com os músicos e instrumentos. Acabava que a ocupação espacial dos bailarinos no palco dava a impressão de que estávamos em um show com bailarinos. O que talvez se reforçasse por conta dessa marcação que mencionei anteriormente na combinação constante entre dança e música.
Uma outra questão que me gerou uma certo incômodo foi um ritmo quase que frenético também. Embora em alguns poucos instantes tenhamos momentos mais amenos, por um longo tempo e constantemente ele é bastante acelerado ou acelerando. E esse ritmo alto quase gritando vai nos cansando.
Pra você ver, talvez quem não esteja acostumado a fazer criações com foco em movimento (ou assisti-las) possa pensar que um ritmo entediante é um ritmo lento e por isso tenha a impressão de que muitas coisas acontecendo, uma atrás da outra o tempo todo e de forma dinâmica possam tornar o interesse constante. Só que não. Esse não tomar tempo para os respiros e pausas e esse ritmo que não tem tantas nuances, mesmo que ele seja sempre alto, cansa e entedia.
Um outro ponto também poderia ser uma ocupação espacial que não foi tão explorada. Traz a sensação de um show com bailarinos de solos, com momentos em grupo, mas sempre se mantendo no centro em relação à profundidade…. não tínhamos fundos, diagonais e frentes… nem diferentes desenhos. O palco era muito ocupado por elementos de cenário e percussões e talvez por isso os bailarinos ficavam com pouco espaço para fazerem essas variações. No final, então - pós-espetáculo- quando um dos diretores menciona estar querendo representar o labirinto da favela, pensei: nossa! cadê? Seria muito interessante ver esses desenhos trazendo uma especialidade mais bem pensada.
Um corpo que treme…
Que treme e dança, e nada, e fala, e escreve, e come e fode. A mão que treme, que partitura, que chora, que abana e sorri.
Um corpo como todos os corpos: único. E que sabe usar o seu corpo, que faz boas escolhas, que utiliza bem os recursos seus e do espaço.
O espaço, a luz, pouca luz, rastros de luz, focos de luz… blue … e quase nada de objetos porque não precisa mesmo: está tudo ali. O corpo-mente-voz fazendo e sendo sua dramaturgia. Uma dramaturgia inteligente e poética. Poética em que sentido? (Me veio de novo a voz do Chico Machado ressoando)...
Poética segundo Paul Valéry, no sentido da criação e suas subjetividades, e também no sentido literário pela forma como brinca com as palavras faladas e dançadas, joga, se diverte… mergulha no texto, fundo…
Profundo…
Repete as palavras, as inverte, as subverte e enaltece de múltiplos sentidos. E histórias …Não precisa mesmo de muita coisa… de muito mais do que as palavras e do que o corpo que mergulha no chão …
Perspicaz, presente e político nesse mar que nos coloca à deriva. Sabe o que falar e do que falar sem deixar de navegar no seu azul…viaja dentro… viaja fora… dentro … fora .. dentro ..fora . dentro . fora, dentro, fora, dentro, f…
Tem ritmo, tem timing. Com os pés fincados no chão em terra firme, te descasca… olho no olho e com força, com densidade…. mergulha nesse olhar…de choques na tomada, de enchentes anunciadas, de dor e de amor e não de uma forma piegas… com firmeza, com autenticidade, com verdade.
Mergulha e te mergulha no ar … e nesse mar de necessidades que, se existem, é porque tem coisa que falta … falta e te mergulha na falta, falta e te treme por dentro.
Lindo! Ou melhor: preciso.
Preciso…
Eu, você é todos nós precisamos na verdade.
Dançando em bibliotecas ou instalações coreográficas que contam histórias
Dançando em uma biblioteca cheia de livros bailarinos ou “dançantes” (pesquisei pra tentar ver novo e achei assim). Cada qual com suas histórias, cada qual com sua cor e seus cabelos, e suas roupas e suas mesas e suas coisas …
Coisas essas que foram montando esses livros em capítulos, coisas essas que marcam as pessoas, e seus corpos e suas vidas. E as transformaram…
E nos transformaram e transformam. As coisas de cada um.
Relatos dançados…
Era algo assim que eu esperava eu acho todas as vezes que vi uma peça auto-documental ou auto-ficcional (?). Não acho que a dança não se faz em narrativas ultimamente. A questão é como se fazem essas narrativas…
Tenho tido a sensação que quando se fazem narrativas, se puxa para o teatro. E quebra. Quebra a dança. Sai da dança e vai para o relato e volta pra dança como se fosse um corpo distinto: o que conta a história de um lado e o que dança do outro.
Pego um signo, e, com ele, encerro a fala e começa a dança ou danço a fala depois de falar. A fala não é a dança. A dança é uma representação da fala. É como se eu diminuísse a dança à representação da fala.
Aqui não. Aqui nessa biblioteca da dança eu apenas existo. Eu sou dança. Minha fala é uma dança. As danças da minha vida me montaram nessa fala. (Se fosse sobre mim…e as vezes é).
O meu corpo dança o tempo todo, se assim eu puder perceber… e, se assim eu puder perceber, eu posso contar essa história de novo… em capítulos … posso contar parecido até, mas nem sempre igual (fiquei reparando enquanto esperava o acesso ao próximo livro)...
Mas, sim, nem sempre igual mas com consciência… seja daqueles que estão comigo pra trás e pra frente, daqueles que eu vi, daqueles que me marcaram na história, no corpo, no que sou. No porque eu danço, como eu danço, pra quem eu danço…
Escolhas… como eu faço as minhas escolhas, como você escolhe? Sozinho, em coletivo … o que você escolhe no outro, do outro e de você. Sublime! Aquelas coisas simples e que você pensa: queria eu ter sido genial assim pra colocar em cena o gesto mais simples e as danças mais profundas que me são.
Brrrrruuuuumm! Nhooooin! Haduken! Plim!
Ou sobre o quanto as árvores podem
Então você entra e o cenário são móbiles gigantes formados por cabides, cordas, bambu e muitos brinquedos.
Nossa que lindo!
Digo eu, uma das primeiras a entrar. Então ouço minhas palavras ecoarem conforme os demais vão entrando, e as repetindo sem tê-las ouvido…
Fui pesquisar: Aptá é uma árvore utilizada para produzir cordas.
árvore de móbiles
Uma e também
uma árvore genealógica
contada somente
nos agradecimentos
depois
da peça: o filho (que inspirou),
o pai
(que perfoma)
e o avô
(que colaborou
com o processo).
A técnica do performer-bailarino se dilui… leve, acelerado e preciso - às vezes direto. às vezes indireto- ele se desloca com destreza enquanto desenha padrões com carrinhos… leve, lento e fluido ele conduz os carrinhos no ar com destreza…com peso forte, tempo acelerado e movimentos indiretos os joga pra cima e pelo espaço…. em pausas ele faz ver o desenho que se forma no espaço…como quando a luz encolhe, e você vê o rastro porque os carrinhos tem no teto aquelas estrelas de colar no teto do quarto e brilhar no escuro…. os carrinhos desenham o espaço.
Desenham e redesenham.
O
bailarino
desenha o espaço.
Desenha e redesenha,
e se desloca.
Com aqueles pés de dedos longos e abertos, com os braços de carrinhos enfileirados para os quais pede ajuda, olhos nos olhos ou curiosos no espaço, braços que lançam magia, explosões! Braços que viram árvore…. carrinhos que viram óculos, lunetas, foguetes, algo pra compartilhar: o Thomas!
Que ele entrega pro público e depois lembra de pedir de volta pra amontoar com os outros…
Dança com os gestos de uma criança irretocável desenhando o espaço em luzes, ou pilhas, fileiras e círculos de carrinhos, ou exploração dos brinquedos ali pendurados, sensações da pele e do sol, euforias, choros e risadas inocentes inerentes daqueles seres cujas emoções mudam num estalo. No corpo, na voz que também é corpo, no espaço…
Luzes que desenham o dia, a noite, as formas penduradas no móbile, ora luz , ora sombra, ora a projeção do menino que inspirou a obra com suas divergências, convergências e delicadezas selecionadas de forma a te fazer sentir a atenção e o amor no reconhecimento da beleza desses gestos.
Ao mesmo tempo em que você observa o movimento criativo de um pensamento que é movimento, uma dança que se monta no existir da atenção. De um lado a atenção de perceber, escutar e reconhecer essa potência. Do outro, desse lado que é a gente que vê, atenção aos desejos, medos, métodos… ao presente…e você se sente nesse lugar de novo. Um lugar por onde todos passaram (ou deveriam pode passar). Uma nostálgica exploração e reconhecimento das coisas e de você. Um lugar de curiosidade, de descoberta e de aconchego que também tem seus momentos de insegurança e dúvida.
Um lugar de verdade e sutileza com escolhas muito bem feitas por toda uma equipe que dança junto e assim o próprio bailarino reconhece (o que certamente faria minha colega Liana muito feliz).
Nem sei como escrever um texto a altura dessa peça.
Fiquei tão tocada que...
Sonhei cidades submersas
As lótus você via
Quando as ondas recuavam
Mas eram de concreto
As flores no caso, ou seriam as ondas?
Crianças e adultos comiam bolo de caneca
No aniversário da Nina
Eram de todos os tamanhos possíveis
Espalhados
Os bolos, no caso, ou seriam as pessoas?
Sissi me pedia que colocasse algo na cabeça
Dela
Mas não parava
Nem ela, nem o troço
Sentimos falta das asas
Quem as pegara? achei!
Devolveram
tudo certo
Que festa!
Eu dizendo pro João sobre o paraíso
E ele: tenho mais 4 rolando agora
(Um agora bem puxado no Porto alegrês)
Gente!
Como consegue fazer tudo isso ao mesmo tempo?
Acordei!
Que pena!
Que peça!
Cenas tão bem construídas e impactantes que você pensava
"Que final!"
Mas não era...
Nem sei como escrever um texto a altura dessa peça.
Tentei abordar por vários aspectos, mas quando lia o texto não enxergava a peça nele. Foram tantas imagens que sonhei cidades imersas (ou submersas?) onde íamos fotografar, festas de bolo de caneca, o João dizendo que estava com mais quatro peças e eu cho-ca-da: como ele conseguia fazer tanta coisa! (acho que estou me repetindo...)
Tentei partir do texto - o relato de uma costureira chinesa imigrante ...não peraí. As consequências de um capitalismo selvagem que polui, que mata, e que .... Já sei! O início - corpos expostos em carne, órgãos, angústias, lixo, montanhas de lixo, bateria, celular... Quem sabe - o contraponto da riqueza e da elegância dos white people problems ou rich people problems que vem com os outros personagens e - cenas musicais exageradamente faceiras que entrecortam uma história dramática expondo nossas ridicularidades ... nossas crueldades enquanto sociedade dos bens de consumo... quanta elegância!
Belíssimas em seus vestidos, montados em seus ternos e gravatas trepam pelos cantos, não gritam, discutem, olham pela janela as notícias catastróficas que nos atropelam de trem. Ficamos juntando os pedaços, enquanto o diabo ri.
E é desse jogo com o texto que se constrói aos pedaços que as cenas se constróem aos pedaços, assim como se reúnem e se despedaçam os sonhos que a personagem alimenta. E desse lugar ilusório de realidade criada se montam realidades paralelas que dão o tom pra essa narrativa e pra nossa: a da humanidade falida que de tão afundada em sua soberba não só beira ao ridículo, mergulha no escárnio, ou ainda, se afunda na...
Ou um tom de reportagem: Uma história atual e muito conectada com a realidade da exploração do trabalho, do consumismo, do imperialismo, do capitalismo exacerbado, da indústria, da crueldade antropocêntrica...
Da extrema direita .... (no Brasil!?) , que é piada pronta (?!) e de mau gosto... e eu pensava "quanto bom gosto!" ... mas questão de gosto não é digno de uma apreciação "imparcial", afinal de contas não se pode ser subjetivo e ...
Também não dá pra dizer que o texto original é só um pretexto porque ele é potente. Mas a forma como a peça se constrói e escolhe o que dizer do texto, ou aproximar o texto de questões nossas ou entrecortar o texto ou esquecer o texto e trazer o foco para nuances das suas denúncias é irretocável.
As imagens poderosas, limpas, singulares (será que eu estou me repetindo? não) que escolhem muito bem os detalhes dos corpos, o que mostrar em recortes de luzes que também performam, que desenham trens, fábricas, cortes, centauros diabólicos, musicais e infernos utilizando primorosamente os recursos da arquitetura do Teatro (no caso, o São Pedro).
Movimentos suaves, contidos, mínimos, despidos na representação dessa personagem singela cujo texto flutua no tai chi. Ou corpos expandidos, montados, ostensivos, elegantemente ou esdruxulamente fúteis ou extravagantemente vestidos na representação dessa "merda" que somos.
De um lado quem veste, do outro quem morre. Pra ser vestido. Pra produzir o que vai ser vestido. Tudo para que a moda produza toneladas de lixo, digo, de roupas
Em condições subumanas de trabalho...
Corpos vestidos e que se despem enquanto notícias sobre a indústria têxtil circulam pelo palco em
letreiros
reportagens
repórteres...
Um equilíbrio muito bem dosado entre drama, humor ácido, autoficção e metalinguagem. Imagens irretocáveis. Cenas primorosas todas e cheias de curvas, ritmos, climas.
Um incêndio!
Costumo assistir à Cia Espaço em Branco com frequência. Por isso já esperava algo assim... que me arrebatasse. Mas essa peça ainda fez isso: me surpreendeu em sonho com imagens outras, reverberando esse lugar insólito- poético...
Nem sei como escrever um texto a altura dessa peça.
Pump se traduz por envenenar. Me lembro de ouvir pela 1a vez num programa, enquanto zapeava (ainda longe de um tempo de streamings), que se chamava “Pimp my Car”. Nesse programa as pessoas iam lá com o carro antigo que já amavam e transformavam ele. Ele já era descolado, querido e cheio de histórias, mas as coisas que eram feitas ressaltavam com exuberância o que ele já tinha ou tinha de melhor. E sempre com uma super pintura belíssima… extravagante…
Pimp your Drag …
Exuberante, superlativo, de encher os olhos!
E o quadril, e o peito e o bumbum.
Com pequenas almofadas.
Com meias-calças. Sempre duas!
E, ainda: buracos estratégicos para dar conta da fantasia que, numa apropriação de dance a letra, dialoga total com esse universo que não passa despercebido jamais, né ori? (É a 2a vez que a Lu aparece nos meus textos de apreciação).
Pimp your Drag …
Fico pensando nisso ao longo das cenas. Qual o resultado de pegarmos-nos com aquilo tudo que somos e amamos e transformamos-nos? Me senti no lugar de acompanhar esse processo…Essa história cheia de histórias que conta a história de muitas mulheres e de uma, de muitas mulheres em uma, de uma em muitas (Ai, que loucura!) e cheia de cenas que prendem, divertem e alfinetam onde e quando precisa.
Perucas que dançam, desenham tempos, cores, mares, rabos, barbas ou babas, estilos, composições… e são tantas! Uma diversidade imensa de personagens e gestos e danças numa só Cassandra, ou uma Cassandra em muitas personagens que dançam e tem seus gestos para além dos da Cassandra, ou muitas Cassandras dançando juntas ou muitas Mulheres. As mulheres de uma vida, aliás: da vida dela e das nossas. E com elas as cenas se costuram de um jeito gostoso de ver.
And all that jazz, and all that samba, funk, bolero…desenho animado?
Um delicioso requinte desbocado, ou muito bem bocado. Porque … quanta expressividade naquela boca, hein? Você enxerga de lá de longe um simples “tô” que em respostas múltiplas à pergunta “tá preparada”? diz muito. Diz muito bem dito. Diz tudo. Diz com presença e propriedade. Diz com timing de quem ouve até um estalinho de dentadura (ri alto!). Diz sendo uma e sendo muitas.
Diz no corpo (essa palavra está sempre tão presente aqui). Diz no detalhe mínimo de se reconstruir em novas personagens que estão por trás de uma mesma. Diz em detalhes máximos e sacadas hilárias de mundos que caem e vilãs poderosas de contos de fadas. De forma que pensei: Gente! Jamais haverá tamanha Úrsula!
E que coisa: uma personagem reconhecida por roubar a voz de uma sereia, tendo sua voz roubada e usada em cena (tal qual em outras dublagens) e por essa entidade que se apropria de todas essas vozes, mas que tem também a sua.
Tá preparada? Tá. Montada e preparada por uma vida inteira. Preparada por mais de 20 anos, em todos os tipos de eventos, quantidades de público, pisos de afundar o salto e escorregar, quedas, afetos, violências, histórias pra contar. Pimping por aí e criando com muita sensibilidade e uma boa colherada (necessária) de sarcasmo.
Tem que estar presente para ter presença.
Me lembrei tanto do trabalho sensível do clown… não é pra ser “palhaçada”... Colhe coisas de lá da infância, é profundo.. Tem que ser profundo para estar verdadeiramente ali. Senão simplesmente não tem a menor graça. A graça está em ir fundo. A dor e a delícia…em encontrar esse olhar único. Nesse caso, um super olhar que a make ressalta, sim, mas que na verdade é um olhar que vem lá de dentro, de lá de quando ainda não existia, de lá do ao longo do tempo. Do que se nasce pra ser … Do estudo minucioso…. Da experiência….
De palco e de vida.
Fico sempre impressionada com artistas que tem essa sagacidade ao improvisar envolvendo o público. E isso está ali, claro, para além de todo um estudo marcado, coreografado e construído em cada detalhe. Tem aí muito para nos encher. No bom sentido é claro!
Por isso, quando Cassandra cruzar por você (e onde ela estará agora? Procure saber!). Pimp yourself e maravilhe-se. Vale a pena.
Como se fosse ontem … as if it were yesterday
Nada como uma história real (nothing like a real story) para nos mover por dentro. Porque Muita Água é sobre isso. É algo que a gente viveu e todos tem algo pra falar a respeito: as enchentes de maio de 2024 em Porto Alegre. Fato. Verdade. Todos tem histórias pra contar sobre isso e geralmente começa assim: “minha casa não foi afetada, mas eu fui”.
E é assim mesmo que começa. Ou antes, com três performers, ou três pessoas que, como nós, conversam sobre isso com a plateia. E nos contam suas histórias - e outras tantas que nelas se subentende - nos emprestando seus corpos, vozes e inteligência. Nas escolhas, no texto-música, no excesso minimalista de entulhos, um soco … sutil (!?)
A gente sabe que a maioria das pessoas viveram coisas e que algumas outras tantas viveram de uma forma muito pior. E, quando a gente conta uma história - ou essa história, a gente conta ela com o corpo…with the body. Parece às vezes que no meio de tanto caos quando move muito dentro, move fora, move tudo, move não só o nosso corpo, move também muitos corpos. E, enquanto a gente vive uma tragédia, o mundo vive a notícia. The world lives the news.
Essa performance ecosomatica que enfatiza as consequências da emergência climática é deslocada para o palco. Parte dessa conversa que conversa com a gente e nos incorpora, assim como a fala, a fala do corpo, o corpo que sempre fala. E, nesses momentos extremos, que movem muito, é ele que expressa o tanto, o tamanho “assim ó”, o quanto: quantas perdas, quanta dor, quanta angústia, quanta inoperância, quantas interpretações massivas equivocadas ou fakes, quantos pix, quantas orientações desorientadas, corre pra lá, corre pra cá… quanta coisa pra compostar…
Dá pra visualizar?
Em meio a tudo isso, a essa materialidade que o espetáculo traz, cada frase solta nos púlpitos que parece piada rende cena mesmo. Quanta lama!
E o corpo chove, nada, boia, se esvai pelo ralo, dança. Sempre dança. E aqui dança uma história contada por nós, por muitos e para nós. Vendo as “news” dançadas é como se pudéssemos sentir aquele lugar do “what?”. Eles não sabem do que eles estão falando.
Eles não sabem o que realmente significa. E Muita Água ilustra esse non sense dos nossos (?)... símbolos (?)... aquela velha visão televisionada do “ser gaúcho”, o despreparo, a confusão e o descontrole que está ali também no corpo.
Essa tragédia que parece pilhéria, “real joke” … faz contorcer por dentro e chorar as águas: “não era uma boneca, era um bebê”. Por outro lado, as soluções apresentadas pelo governo estão na linha do: “é pra rir”? E bora todo mundo pra praia! que nem preparada está! …a performer e o guarda chuva? sol? The sun…e logo ali o outro performer nada nas costas da colega buscando resgatar pessoas que …
A minha casa não foi afetada, mas eu fui. Fui porque me afetei pelos outros, fui porque me envolvi com a situação, fui porque simplesmente observei tudo isso e fiquei chocada. E era tudo tão surreal que a própria peça vem tratar materialmente desses signos. Esse texto dançado diz muito do que eu vivi e que talvez mais de nós tenham vivido. E também do que vimos pessoas muito próximas viverem, se não fomos nós. Simples, direto e sem excessos espetaculosos. Trabalhados na galocha e na capa de chuva, como realmente foi.
Assim e na performance a enchente é contada pelo corpo. Voz também é corpo. E a luz se foi e voltou (pra encerrar) sem sabermos se isso é mesmo algo que somente passou como se fosse ontem.
O desfecho da tragédia é contado já no início: a 1a, a 2a e a 3a facada e as suas consequências, se assim eu retirar toda poesia da narrativa. Esse pedaço de texto que se repete ao longo é um pretexto para nos convidar a um mergulho intenso e singular. E tem um gostinho especial de ser ouvido com sotaque - já que A Mulher Vestida de Sol foi escrita por Ariano Suassuna.
À parte do texto brilhante que inspira o desenrolar e que aparece em nuances, vemos transpostos para o espetáculo com muita delicadeza e sensibilidade temas muito atuais: feminicídio e inclusão, se assim eu retirar toda poesia da narrativa. Entretanto o mais interessante da experiência é que isso se dilui. Apesar de estar ali presente o tempo todo e de incorporar o cerne da história que nos toma, não é algo que grita, é algo que compõe a força, a beleza e as fragilidades da personagem, assim como a potência da narrativa.
E quem pensa que a fragilidade está na (d)eficiência que a atriz/performer traz para a personagem se engana. É nesse lugar que a composição se torna rica, única e apresenta nuances que potencializam as relações na encenação e a eclosão de movimentações corporais que nos arrebatam.
Somos abordados por elementos orgânicos: instrumentos, voz, bamboo, grãos, peles de vaca, poeira, sementes... uma representação do tempo arrastado, da seca, da fome e desse universo, num formato que subverte nossa aceleração. Escolhe tomar tempo, dar conta de poucos acontecimentos. Investe na forma e na sensação. Fiquei tão absorta nessa ações que foram construindo a dor e a ascensão da personagem - que oscila entre agente e observadora - que até me perdi da narrativa. Só vivencidando a poesia…
E ela brilha. Essa mulher. Como o sol. Que nasce e ascende em estrelas sem se pôr. Que nasce com uma história que gira em torno dela como nós giramos em torno do sol. Assim como giram em torno dela os atores, criando desenhos circulares. A sonoridade, os elementos e os movimentos tomam esse tempo necessário para acontecer, trazendo um ritmo que nos faz mergulhar em sensações, ausências, suspiros, lutas em câmera lenta, cantos...
Enquanto estamos em transe e nos envolvemos com esse ambiente, o sol se vai num suspiro. Se vai, não, ascende. Nos trazendo essa ideia de que permanecem: ela, o sol (que a veste) e ciclicamente a nossa força e a nossa fragilidade enquanto mulheres diante dessa humanidade patriarcal tão sedenta pelo poder. Tão envolvida em disputas que se perde na tentativa de desesperadamente possuir as belezas. Tão imersa em seus desejos que não se importa com a destruição. No entanto, quem perde é quem fica. Pois quem ascende, se liberta. E brilha, vestida de sol e com estrelas saindo da cabeça.