FICHA TÉCNICA:
Espetáculo do grupo HaiKai
Direção: Nazaré Cavalcante
Elenco: Cecília Astiazaran, Jussara Lerrer, Ligia Petrucci, Mônica Dantas, Suzane Weber
Iluminação: Neca Machado
Música: Paulo Campos
MAIO: processos de improvisação em dança e teatro por mulheres latinas em cena
Nada como a noite
Escurece
E tudo se esclarece.
Alice Ruiz"Em 1986, o grupo Haikai dança e performance surgiu com íntima colaboração com o grupo instrumental de jazz e de música brasileira denominado Sucata. O nome do grupo indicava o desejo de que sua dança fosse como um poema em forma de haikai: simples, pequena, improvisada, mas plena de sentido e de prazer, valorizando o instante. A formação do grupo contava com sete bailarinas: Adriana Torres, Cecília Astiazaran Jussara Lehrer, Ligia Petrucci, Mônica Dantas, Márcia Capra e Suzi Weber. Na maioria de suas apresentações o grupo mantinha uma parceria com a banda Sucata, formada por Duduca Taborda, Guinther Andreas, Paulo Campos, Ricardo Horn e Vasco Piva. O grupo Haikai dança & performance durou três anos de 1986 a 1988 com apresentações e temporadas de dois espetáculos, EntreSaias e MAIO, os dois com assinatura de coreografia coletiva. O grupo também participou de performances em galerias e intervenções artísticas.
Para nós jovens porto-alegrenses e estudantes universitárias pertencentes ao grupo Haikai, a improvisação e o espírito coletivo eram indicativos de liberdade de criação na arte. Na época, editais públicos de financiamento ainda eram raros. O Fumproarte, que foi um dos editais que atendeu a grande parte da produção artística local com produção de pequeno porte, data de 1993. Na época, em espetáculo de pequenas produções, um dos recursos dos artistas, para aquisição de verbas para aquisição de material gráfico e iluminação era a venda de convites antecipados. A visibilidade dos grupos locais e como consequência legitimidade, era promovida pelos editais de ocupação dos teatros da prefeitura ou do estado. O fato de conseguir temporadas nesses espaços era considerado um grande trunfo para os artistas locais. O grupo Haikai Dança & Performance surge em meio a esse contexto de entusiasmo frente a abertura política do país e uma certa efervescência dacultura fermentado pelo fim das ditaduras militares nas Américas. Era um grupo formado por mulheres, um coletivo que não estava filiado a direção de uma coreógrafa como era o caso da maioria dos grupos de dança e teatro da época. No Haikai, a autoria das coreografias era coletiva, ou assinada por uma das integrantes do grupo ou ainda assinada por uma dupla ou um trio.
Não é mera coincidência que as integrantes do Haikai, vindas de diferentes bairros e formações, se conheceram no grupo Choreo, antes de formar o Haikai. A escola, o Choreo – Espaço Alternativo de Dança representou, em termos de arte, especificamente na dança em Porto Alegre, um lugar de convívio com artistas buscando nas artes um espaço de liberdade de criação e de valores “alternativos” da época tais como comida vegetariana, despojamento no vestir e o desejo de criar arte de modo coletivo. O Choreo – Espaço Alternativo de Dança era dirigido por Cecy Frank e Rubens Barbot, promovia o ensino de dança moderna através do ensino de aulas com técnicas de Martha Graham, alongamento e jazz.
A identificação com a forma de haikai se deu por duas razões: primeiro, a busca da máxima expressividade possível através de uma economia de meios, o haikai é um poema organizado em três versos através de dezessete sílabas, e dessa maneira representava a opção pelo despojamento e simplicidade no lugar do virtuosismo da dança; a segunda característica é que esse poema, fala muito do instante, do que emerge aqui e agora, do mesmo modo que a dança e seu aspecto efêmero. Utilizar como inspiração haikai como nome do grupo de dança indicava o desejo do grupo de que sua dança fosse como um poema em forma de haikai: simples, pequena, improvisada, mas plena de sentido e de prazer. Para o grupo, a noção de haikai estava associada a valorização do gesto cotidiano que era algo bastante valorizado pelo grupo em termos de criação. Em termos de poesia, a grande inspiração na época do grupo eram os poetas Paulo Leminski e Alice Ruiz. Inclusive o grupo Haikai fez uma performance em uma das vindas do casal de poetas à Porto Alegre na livraria Arcano 17.
Um dado de extrema importância na época, foi o espaço onde o grupo ensaiava, que era chamado na época a Cúpula da Matemática. Um prédio histórico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), prédio que nos dias atuais abriga a Engenharia Elétrica. Nazaré Cavalcanti destacava como extremamente rico o espaço onde foram geradas as criações do Haikai. O local conhecido na época como a Cúpula do prédio era uma sala grande com o pé direito alto, com janelas grandes e antigas e uma luminosidade e temperatura agradáveis, condições raras hoje em dia e mesmo naquela época. O prédio estava para ser restaurado, por isso não havia aulas no local. Enquanto, a reforma não começava, o grupo ocupou à tarde a sala por quase três anos. À noite a sala era ocupada pelo grupo de teatro Tear.
Depois de muitas criações com ênfase na improvisação e direção coletiva, o grupo Haikai decidiu por um espetáculo com a assinatura de uma direção teatral, e o nome escolhido foi da atriz e diretora Nazaré Cavalcanti. Outra decisão foi elaborar um processo sem a banda que a acompanhava o grupo, no entanto, o músico Paulo Campos foi mantido para fazer a trilha e participar ao vivo das apresentações.
Atriz e diretora, Nazaré Cavalcanti recém havia saído do grupo que fez história no teatro gaúcho, grupo Tear, com direção de Maria Helena Lopes. Nazaré trabalhou por muitos anos no grupo, e a experiência no teatro lhe trouxe um aprofundamento da criação a partir da improvisação e do protagonismo da atuação na criação dos espetáculos. O convite para a direção de Nazaré Cavalcanti surgiu como oportunidade de Nazaré criar a partir de algo que já estava latente no grupo de bailarinas. Segundo a diretora, ela buscou uma proximidade com um certo universo de experiências das bailarinas, a história de cada uma e também a de si mesma, juntando “alma e técnica”, segundo Nazaré. O trabalho foi ensaiado durante nove meses, através de uma temática que foi mais descoberta do que inventada, planejada. Passado sete meses de trabalho, o grupo viu que poderia estrear o espetáculo no mês de maio, além disso o tema abordado pelo grupo tocava a o universo feminino e suas contradições, desafios e também certos aspectos místicos. Desse modo a opção do espetáculo chamar-se MAIO pareceu adequada a todos integrantes, como uma ideia simbólica de florescimento. Assim, sincronicamente, em maio de 1988 o espetáculo estreou e fez temporada de um mês na sala Qorpo Santo da UFRGS. O encontro artístico com Nazaré também se deu em um momento que o grupo vinha de uma forte experiência de criação coletiva de espetáculos e performances investindo fortemente em improvisação em dança através música com a banda Sucata. Com a entrada na Nazaré o grupo Haikai, investiu também numa teatralidade junto com trabalho coreográfico coletivo de muita horizontalidade tirando as “vísceras” das bailarinas em termos de doação, de comprometimento e de engajamento com a criação.
O trabalho teatral de Nazaré trouxe ao grupo de bailarinas uma forte vivência de jogo teatral, um aprofundamento do gesto a partir de quadros ora estáticos, ora dinâmicos, o uso da voz através de ‘cochichos’, o som dos movimentos através de corridas, das caminhadas e dos deslocamentos do corpo no espaço. Antes da chegada da Nazaré, o grupo já intuía a importância do refinamento do gesto cotidiano, da concentração dentro de cena, do jogo com o público, mas com a entrada da diretora Nazaré isso foi aprimorado em termos de cena teatral. Depois que ficou pronto o desenho do espetáculo MAIO, construído todo a partir de improvisação de gesto, movimento e jogos teatrais, sem música, em silêncio. A composição foi criada depois, quando a maior parte da coreografia já estava pronta. A composição musical veio depois, com elaborações junto ao grupo na busca de climas e ritmos sonoros. O silêncio como um recurso sonoro, no qual foi construído a criação, manteve-se em alguns momentos, daí a possibilidade de escutar o som dos deslocamentos, ruídos e cochichos. A presença discreta do músico Paulo Campos em cena, em um canto no palco executando a música vivo, marcava a testemunha do discurso das mulheres em cena.
A temática do espetáculo Maio, tinha basicamente dois climas: o dia, a alegria e a euforia, representada pela cor branca nos figurinos; e a noite, tristeza e densidade representada pelos figurinos pretos; e por fim, o equilíbrio com a mistura das cores dos figurinos em cena. MAIO, continha algo que representa os ciclos da natureza e também da mulher, e ainda uma breve inspiração pelo nome do grupo das mães de maio da Argentina, símbolo da resistência feminina ao término da ditadura militar nos anos oitenta. Lembrando que uma das integrantes do grupo, Cecília Astiazaran é uruguaia e viveu de perto a ditadura entre seus familiares. O mês de maio carrega muitas simbologias, mês das noivas, das mães, do trabalho, das flores. O espetáculo MAIO era dividido em cinco movimentos: anoitecer, amanhecer, brinquedo, lágrima e coração da alegria. A criação buscava celebrar diferentes dimensões de maio, das alegrias de maio, as tristezas de maio, ou simplesmente um maio dançado."