O espetáculo sobre a cumplicidade entre mulheres. Levou o prêmio Açorianos de coreografia e bailarina , para Tatiana Rosa. Foi apresentado na mostra Feminino na Dança, em São Paulo.
Coreografia e direção: Andrea Druck
Elenco: Mônica Dantas e Tatiana Rosa
Esse texto tenta ser objetivo e trazer alguns fatos sobre a coreografia Vênus é um menino. Mas ele é tingido por afetos e acabou sendo escrito entre o eu, o nós e uma tentativa de narrativa em terceira pessoa.
Vênus é um menino estreou em julho de 1994, no Cabaré Voltaire, aquele bar em que viramos algumas noites em festa. Foi numa festa da Ânima Cia. de Dança, em que algumas coreografias foram adaptadas para as salas do bar. Duas bailarinas sobre uma mesa retangular - Tatiana Rosa e Mônica Dantas - com os torsos nus, vestiam uma mesma imensa saia com duas cinturas, que cobria a mesa. Ao som de “Venus as a boy”, de Björk, tínhamos por propósito movimentarmos como uma única criatura.
A coreografia, assinada por Andrea Druck, teve como motes a canção de Björk trazida por Tatiana, o desejo de Andrea de explorar os movimentos de duas pessoas em cima de uma mesa retangular e a pergunta de Gabriel Messias, de 5 anos, endereçada a sua mãe, Andrea: os homens são machos e as mulheres são fêmeas, né, mãe?
A mesa retangular foi substituída, depois de alguns meses, por uma mesa redonda. Em Vênus é um menino, montávamos e desmontávamos essa figura composta por duas pernas, um quadril, dois troncos, quatro braços e duas cabeças, buscando perceber o outro corpo como parte do seu - ou a propriocepção do outro, como dizíamos. Fomos buscando, assim, desenvolver princípios técnicos e formativos que servissem à coreografia, não tão vinculados a técnicas de dança específicas. Se no início a criatura parecia se mover como um paquiderme, aos poucos foi ganhando graça, equilíbrio e um certo virtuosismo, sem nunca abandonar um jogo de esconde-e-mostra e de espelhamento. A coreografia evocava imagens clássicas como o Centauro, talvez a cabeça de Medusa e a própria Vênus, ao mesmo tempo em que transitava por variações de fluxo, sublinhadas pelo encantamento provocado pela música.
Vênus é um menino tinha 14 minutos de duração e foi dançada em projetos da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre como Dançar, Quartas na Dança, Mostra de Dança Verão, Rosa dos Ventos/Indicativos da dança em Porto Alegre e o Festival Usina de Arte e Cultura, realizado na Usina do Gasômetro. Guardo com muito carinho a lembrança de um Quartas na Dança que foi realizado ao ar livre, na entrada do Centro Municipal de Cultura, em um final de tarde. Não era a primeira vez que dançávamos nesse evento. Ao final, um jovem morador da Vila Planetário, que deveria ter uns 14 anos, veio conversar conosco para dizer que dessa vez a coreografia estava muito melhor. No Festival da Usina do Gasômetro, instaladas em um dos fornos, fizemos várias apresentações, várias sessões, ao longo do final de semana. Em 1995 dançamos em São Paulo, no Centro Cultural São Paulo, no Projeto Feminino na Dança e, em 1997, participamos do Festival Sanary Sur Mer, na França. Nossas fotografias foram utilizadas para a divulgação do evento em jornais da cidade e na capa do programa. Também fomos citadas em crítica de Helena Katz para o jornal Estado de São Paulo. Aqui em Porto Alegre também não foi diferente. Fomos fotografadas por diferentes fotógrafos e ilustramos muitas páginas de cultura dos jornais Zero Hora e Correio do Povo. É curioso notar que nessa época nossos torsos nus, nossos seios e nossos mamilos não eram censurados. Apareciam sem filtro nas fotos dos jornais. Para mim, Vênus é um Menino marca também o início de uma investigação cênica sobre a nudez na coreografia contemporânea, que marcou minha trajetória junto à Eduardo Severino Cia. de Dança, na década seguinte.
Vênus é um menino ganhou o Prêmio Açorianos de Dança de 1995 de melhor coreografia e deu a Tatiana Rosa Prêmio Açorianos de Melhor Bailarina. E eu me senti também agraciada. Nós gostávamos tanto de Vênus é um menino que pensamos em enviar a gravação da coreografia para Björk. Mas naquela época isso não era tão fácil. Em alguns momentos de nostalgia já pensamos em como seria recriar essa coreografia. Mas antes disso, precisamos urgentemente recuperar as imagens em vídeo armazenadas em fitas VHS e mini-dv.
Porto Alegre, 09 de abril de 2025